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É preciso achar a fenda por onde entrará a poesia, ensina Lucrecia Martel

19/10/15 às 02:17 Atualizado em 20/11/19 as 15:08
É preciso achar a fenda por onde entrará a poesia, ensina Lucrecia Martel

“Fazer cinema não é aplicar um manual de regras, mas achar as ferramentas, que podem ter diversas naturezas, para encontrar a fenda”. Esse foi o principal recado da cineasta Lucrecia Martel para o público da 9ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, que homenageia a diretora argentina, consagrada por filmes como O Pântano e A Mulher Sem Cabeça.

“Fenda”, para Lucrecia, significa a fresta por onde entrará a poesia e a expressão na busca de cada um por seu cinema. No caso de sua premiada filmografia, a chave para pensar as fendas é o som: “Na sala de cinema é a única coisa que é realmente tridimensional e a única táctil, pois podemos percebê-lo [o som] também por vibrações do corpo”, afirmou.

Lucrecia está em fase de pós-produção de seu novo longa, Zama, baseado no romance homônimo de Antonio Di Benedetto, publicado em 1956. Ambientado no século 18, o filme tem coprodução da brasileira Bananeira Filmes, capitaneada por Vânia Catani, e conta com brasileiros no elenco – como o ator Matheus Nachtergaele – e em posições estratégicas do set – como a montadora Karen Harley, indicada por Karim Aïnouz, e a diretora de arte Renata Pinheiro.

A estada da cineasta argentina em Belo Horizonte também foi permeada por diversas menções elogiosas a personalidades brasileiras, em especial ao geógrafo Milton Santos – “A Natureza do Espaço é praticamente um livro sobre cinema…porque ensina que o espaço não é uma matéria inorgânica, é uma construção de sentido, modificada pela presença humana e pelas relações entre as pessoas” – e à escritora Clarice Lispector – “Para vocês é uma escritora que se lê no colégio, para mim é uma mente fascinante que não entendo como não é considerada a maior escritora da literatura latino-americana”. Confira abaixo os melhores momentos da conversa que tivemos com a cineasta.

 

Cine Festivais: Para você, que até então só tinha filmado roteiros originais, qual a principal diferença entre escrever um roteiro original e um adaptado, como o que filmou agora?

Lucrecia Martel: É diferente até um ponto, depois não é mais. Até que você ache os critérios para a adaptação e saiba o que vai querer pegar do livro, é um processo distante de quando escrevo as minhas próprias coisas. Mas, uma vez que eu já tomei essas decisões, é muito parecido. Chega um ponto em que há coisas que eu não sei se são do livro ou minhas. Eu me sinto enriquecida, pois é o universo de outra pessoa. É como eu querer cozinhar algo com os ingredientes da cozinha da sua casa ou com os ingredientes do mercado – lá há muito mais coisas.

 

CF: Muitos filmes de época possuem uma trilha sonora grandiloquente, extravagante. Mas seus filmes sempre lidaram com o som de maneira diferenciada. Você já revelou que deve usar músicas agora. Qual é a sua ideia para o som/trilha de Zama? 

LM: Estou buscando músicas da época em que se escreveu o livro, a década de 50. Quero músicas populares, que tenham muito humor e que tenham um certo glamour, alguma pretensão hollywoodiana. É o que posso dizer por enquanto.

 

CF: No mercado de cinema, o curta ainda é tido como um passo, uma etapa para se realizar um longa. Nesse período que ficou sem filmar você dirigiu alguns curtas. Como é sua relação com esse formato?

LM: Acho o curta mais difícil porque há uma necessidade de se entender muito bem o tempo cinematográfico. Senti que tinha essa experiência só após fazer três longas. Então, talvez seja mais interessante para um diretor fazer curtas depois de fazer um longa. Pelo menos eu gostei mais.

 

CF: No Brasil, é forte a ideia de que o cinema argentino conseguiu aliar autoria e sucesso de público. O que você acha dessa percepção?

LM: É possível, mas penso que os filmes argentinos mais exitosos do ponto de vista comercial não são tão autorais. Se olharmos para o cinema de Juan José Campanella, percebemos que ele tem uma visão de mundo, perceptível em todos os seus filmes. Mas não há, ao meu ver, uma gramática própria. Pablo Trapero também fez muito sucesso com seus últimos filmes. Acho que são diretores potentes, com muita força, sabem filmar, mas não vejo algo particular no uso que fazem do som, da imagem, da montagem. Nada pessoal contra eles, mas não os considero autores tão fortes. Mas pode ser que vocês [brasileiros] estejam certos, afinal estão olhando de fora.

 

CF: Sua presença em festivais de cinema é muito forte – seja levando seus filmes, seja participando de júris. Qual é seu festival favorito?

LM: Piriápolis. É um festival especial, de muito amor ao cinema. É um evento que te dá felicidade de fazer cinema. É onde se sente mais que o público ali presente está envolvido. Não premia ninguém, não compara. A competição é uma distorção enorme nos festivais. A premiação é uma estupidez do mercado. Apesar das premiações datarem da época dos gregos, ligadas a competências em esportes, me parece que a cultura não deve estar no mundo das premiações, deve estar no mundo das conversas, do diálogo entre os filmes, do brinde ao cinema.

 

>>>Acompanhe a cobertura da 9ª CineBH

 

*O repórter viajou para Belo Horizonte a convite da organização da 9ª CineBH

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