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Entrevistada tornou-se um mistério ainda maior para mim, diz diretor de Sete Visitas

10/06/15 às 09:00 Atualizado em 11/10/19 as 11:43
Entrevistada tornou-se um mistério ainda maior para mim, diz diretor de Sete Visitas

As imagens de Últimas Conversas, filme que chegou ao circuito comercial brasileiro em maio, não são as últimas gravações de Eduardo Coutinho como entrevistador. O grande documentarista, falecido em fevereiro de 2014, participou de Sete Visitas, longa-metragem exibido no último É Tudo Verdade, em abril, e que agora será estará na mostra Outros Olhares do 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba –, que acontece de 10 a 18 de junho (veja aqui as sessões do filme no festival).

Coutinho faz parte de um grupo de entrevistadores que conversam individualmente no filme com Silvana, uma mulher comum que aos poucos revela ter um passado particularmente agitado. Os diferentes diálogos realizados com a entrevistada atestam as inúmeras possibilidades de se obter respostas e versões da história de uma mesma pessoa.

Em entrevista por e-mail ao Cine Festivais, o diretor Douglas Duarte falou a respeito do processo de produção de Sete Visitas e comentou sobre os principais questionamentos trazidos pelo filme.

 

Cine Festivais: Quando você conheceu Silvana e por que a escolheu como figura central do documentário? A ideia de realizar o documentário desta maneira, com diferentes entrevistadores, veio antes de você conhecer a Silvana ou depois?

Douglas Duarte: Conheci Silvana em 2007, filmando canaviais no interior de São Paulo para uma TV sueca. Depois de trocarmos algumas falas banais, ela se desenrolou dos panos que a protegiam das palhas cortantes da cana e me presenteou com uma lição de documentário que carrego para sempre comigo. Disse: “que é garoto? Tá procurando um coitadinho pro seu filme?”

Nesse momento decidi que Silvana seria o centro de algum projeto meu. Sete Visitas foi pensado anos depois. Inicialmente não imaginava ela como eixo central, mas… é assim com o documentário. O acaso se torna um codiretor bastante temperamental. Só às vezes inspirado.

Dito tudo isso, Sete Visitas é um projeto maior: inclui outro filme, que está em montagem, que é “gêmeo” desse. O mesmo dispositivo, mas uma personagem central absolutamente diferente.

 

CF: A concepção do Sete Visitas coloca em xeque a noção de “invisibilidade” dos entrevistadores passada pelo documentário tradicional?

DD: Tem um pouco disso. Mas veja: é um ilusionismo. É possível dizer realmente que Eduardo Coutinho “não aparece” em seus documentários? Pense em Cabra Marcado Para Morrer, em Jogo de Cena, no quanto há de arbitrário em Edifício Master. Tudo parte dele, gira em torno dele, são reflexos da realidade sobre ele, são as curiosidades dele. O mesmo pode ser dito sobre Errol Morris, Jean Rouch, Werner Herzog. Pode ser dito inclusive a respeito daqueles diretores que acreditam ser mosquinhas na parede. Quem vive numa cidade tropical sabe o quanto uma mosca pode ser mais presente que um rinoceronte.

O que eu queria pôr em xeque, mais que a invisibilidade, era o caráter de apresentação de “algo” do documentário. Personal Che já era assim, mas em Sete Visitas isso é mais pronunciado: é um filme de montar, e o espectador tem um papel ativo na montagem do filme. Gosto de filmes assim. Orestes, trabalho de Rodrigo Siqueira que também estava na competição do último festival É Tudo Verdade, é um filme notável por isso. Filmes mais descosturados são mais convidativos pra certo tipo de espectador.

 

CF: Da ideia inicial até a montagem final, o que mais te surpreendeu em relação ao filme que realizou e o que confirmou as suas premissas?

DD: Me iludia pensando que de certa forma ia conhecer profundamente Silvana e teria algum conhecimento sobre os “entrevistadores”. Sinto que eles se revelaram bastante. Silvana tornou-se um mistério ainda maior.

 

Leia também:

>>> Crítica de Sete Visitas

>>> Crítica de Últimas Conversas

>>> Cobertura do 4º Olhar de Cinema

 

CF: Em alguns momentos, ouvimos a sua voz durante o filme, esclarecendo alguma “regra” ou apenas introduzindo os entrevistadores. Quais foram os limites de não-intervenção aos quais você se submeteu? Houve a tentação de dirigir os personagens?

DD: Não esclareço qualquer regra. Inclusive a pergunta a respeito de regras, feita pelo Coutinho, fica no ar. Eu gostava muito de brincar de mágico quando era criança. Tinha uma cartola furada e era um péssimo mágico. Só dá pra ser um bom mágico quando você aprende a ser discreto e a deixar mais ou menos claro para o público que vai enganá-lo pela próxima meia hora.

 

CF: É sabido que, mesmo quando vindos de amigos, colegas e admiradores, Eduardo Coutinho sempre recusou convites para participações, filmagens e entrevistas. Houve alguma estratégia especial para convencê-lo a participar do documentário? Como foi o contato com ele e qual é a sensação de ser um dos últimos a registrá-lo?

DD: Não sabia que ele recusava. Coutinho era muito sinuoso no trato. Desde o começo disse que faria. Depois, tentou escapar. Mudamos as datas de filmagem só para ele não poder fugir. Na hora marcada, ele estava na portaria do seu prédio nos esperando. Pediu só para passarmos na banca de jornal da esquina para comprar três maços de cigarro.

 

CF: Qual foi o principal critério na escolha dos entrevistadores? Contou mais o perfil de cada um isoladamente, a construção de um “elenco diversificado” ou as diferentes possibilidades de interação com Silvana?

DD: Tudo. Tinha que ser gente interessante e interessada em gente.

 

CF: Por que realizar as entrevistas em um estúdio?

DD: Exigências do meu codiretor temperamental.

 

CF: Como você sentiu a repercussão que o filme teve no É Tudo Verdade? Quão importante foi a seleção para o Olhar de Cinema, festival que, diferentemente do É Tudo Verdade, não é voltado apenas para o nicho dos documentários? 

DD: Fiquei muito feliz pela seleção no Olhar. É muito bom um festival-enigma, em que um dos poucos diretores conhecidos seja Jacques Tati. Quantos filmes desconhecidos, de diretores desconhecidos, vindos do mundo todo! E acho genial a ideia de fazer esse acampamento de forasteiros dentro do coração do cinema grande, um multiplex. Conto os dias para chegar em Curitiba.

 

*Colaborou Ivan Oliveira

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