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Distribuidora de O Som ao Redor vê futuro de filmes autorais na TV e internet

10/03/14 às 13:05 Atualizado em 20/11/19 as 15:25
Distribuidora de O Som ao Redor vê futuro de filmes autorais na TV e internet

É natural pensar que os melhores filmes ganhem reconhecimento, prêmios, impulsionem um boca-a-boca positivo e participem de diversos festivais. Entretanto, a mediação necessária para que tais obras sejam lançadas no cinema, na TV ou em DVDs/Blu-rays está nas mãos das distribuidoras, que compram os direitos de exibição e espalham os filmes pelo país ou pelo mundo. Nessa lógica, um filme candidato a uma alta arrecadação com bilheteria não encontrará problemas para achar quem o distribua. O mesmo não se pode dizer das produções independentes de baixo custo, às vezes escondidas em festivais pequenos e mostras ocasionais. Deriva daí a importância de distribuidoras como a Vitrine Filmes, fundada em 2010 e dirigida por Silvia Cruz, que tenta garimpar o melhor do cinema autoral brasileiro para fazer com que ele chegue a mais pessoas.

A trajetória de Silvia explica bem seu sucesso. O ambiente de cinefilia em que cresceu envolvia um pai frequentador de cineclubes, um quarto recheado com cartazes de cinema conseguidos em locadoras do bairro e uma coleção de mais de 500 VHSs clássicos ocupando espaço na casa em que morava, em Interlagos, na zona sul de São Paulo. Mas Silvia nunca quis escrever ou dirigir filmes, sua vontade era ter uma empresa.

A união entre a paixão por cinema e a gana empreendedora já se esboçou quando estava no final do curso de Administração com ênfase em Marketing da ESPM-SP. No plano de negócios que teria que apresentar como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Silvia escolheu como projeto a montagem de uma sala de cinema. Desencontrada nos processos de uma área até então pouco cativante ao empresariado brasileiro, Silvia teve na figura de André Sturm, atual diretor do Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS-SP), um mentor que lhe apresentaria o be-a-bá da gestão dos negócios relativos ao cinema, empregando-a na Pandora Filmes, no HSBC Belas Artes  e, depois, na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.

A Europa Filmes e a produtora Coração da Selva seriam os próximos passos de Silvia. Enquanto acumulava experiência na distribuição de filmes brasileiros, aumentava a sensação de que novos cineastas estavam surgindo na cena nacional e que o número de produções demandaria maior cuidado e empenho na distribuição das obras. Sem muito planejamento prévio e sem investimentos maciços, Silvia abriu um CNPJ, parcelou a compra de um computador usado e criou a Vitrine Filmes. Fã de O Último Tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, só não batizou sua distribuidora com o título “Paris Filmes” porque o nome já existia.

Hoje, a Vitrine Filmes ostenta um catálogo que privilegia a produção independente brasileira, distribuindo filmes como Vou Rifar Meu Coração, Girimunho, O Abismo Prateado e o premiado O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho. Recentemente, a distribuidora passou a trabalhar também com filmes estrangeiros, como o argentino Las Acacias e o americano Frances Ha. Entre os principais lançamentos para 2014 está o longa Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro, premiado no último Festival de Berlim.

Silvia Cruz recebeu o Cine Festivais na sede da Vitrine Filmes, em São Paulo, e falou sobre o mercado distribuidor, sobre as dificuldades das produções independentes no circuito e traçou uma visão do futuro da distribuição de cinema no Brasil. Confira abaixo os melhores momentos da conversa.

 

Cine Festivais: A Vitrine ainda é uma distribuidora muito ligada a filmes nacionais. Você pretende manter essa marca?

Silvia Cruz: Eu pretendo continuar com o foco em filmes nacionais, mas enquanto não existirem cinco O Som ao Redor por ano – não sabemos quando esse tipo de coisa vai acontecer de novo – os filmes internacionais devem entrar e são muito bem-vindos por questões óbvias: o trabalho de lançamento de um filme internacional, se comparado ao de um filme brasileiro, é bem menor. O trabalho com os exibidores e com o público é bem mais fácil, pelo menos no nicho em que eu trabalho.

Vitrine também passou a distribuir filmes estrangeiros, como Frances Ha (foto)

CF: Um dos objetivos da Vitrines Filmes é também fazer com que os filmes de baixo orçamento saiam um pouco do nicho e atinjam um público maior. Qual é o melhor caminho para que esse objetivo seja alcançado?

SC: Eu ainda estou descobrindo, mas o que eu posso falar, depois de três anos, é que o melhor não é o caminho tradicional. Estrear em salas de cinema junto com todos os outros, no mesmo dia, do mesmo jeito, me parece um caminho cada vez mais fadado ao… eu não digo ao fracasso, porque mesmo que 20, 30 ou 500 pessoas vejam não é um fracasso, as pessoas viram o filme. Mas eu não acho que é aí que ele vai alcançar o público.

Graças a Deus tem uma nova lei onde as TVs estão passando muito mais filmes brasileiros independentes. Antigamente era só o Canal Brasil quase, agora são muitos outros canais e a internet também está se movendo com o iTunes, o Netflix, a Claro TV, entre outros. Eu tendo a acreditar que esses meios alternativos serão importantes para chegar ao público.

Ainda acho que esses filmes devem ser exibidos em salas de cinema. Já são exibidos em festivais, que é o maior mercado deles, e acho que isso continua. Nada no mundo vai fazer algo parecido com um filme na tela grande no escuro. Acho que continuam os festivais, mostras e eventos com debate, mas o público maior certamente será atingido mais pela TV e pela internet.

CF: Quais são os obstáculos dessa forma tradicional de distribuir cinema?

SC: Dinheiro para publicidade e o perfil do filme. O público brasileiro vê o cinema como entretenimento. No Brasil, o público geral está acostumado a ver TV, ver Globo. Perguntam: “Se você tivesse colocado 5 milhões em O Céu Sobre Os Ombros, você teria atingido quantas pessoas”? Talvez não muitas a mais. Mesmo se eu tivesse colocado propaganda em todo intervalo da Globo, o cinema ainda precisa do velho e bom boca-a-boca. Nesse público, que vê o cinema como entretenimento, eles assistirão e talvez saiam falando “não entendi, que filme é esse sem pé nem cabeça?”.

Então há a questão de educar o público, eles precisam saber que existem esses filmes, mas não tem como obrigá-los a gostar de um cinema mais autoral, que não tenha os mesmos elementos que um filme comercial tem. O cinema independente tem muito mais liberdade de criação e vai por outros caminhos que o cinema comercial nem se atreve a fazer porque eles precisam ter lucro para continuar fazendo cinema.

CF: Há algumas críticas relacionadas à distribuição de filmes autorais. Uma delas é que, após a exibição em um festival, o filme demora muito tempo para estrear no circuito. Outra é que, quando estreia, fica muito pouco tempo em cartaz.

SC: A questão da demora pode ser por duas coisas. Primeiramente, precisamos conseguir dinheiro para fazer o orçamento. Por mais que o orçamento seja micro, tem que ter algum dinheiro para contratar uma assessoria de imprensa, imprimir um cartaz, pagar as taxas da Ancine, então eu acho que esse tempo algumas vezes é para achar esse dinheiro.

Muitas vezes é uma escolha. A distribuidora depende da sala de cinema, você precisa ligar para o exibidor e falar por que ele deve passar o filme. Se você falar que ele passou por vários festivais, recebeu prêmios e a crítica adora, tudo bem. A carreira de festivais é um mercado, é onde ele mais vai ser visto. Se você pegar todos os festivais em que o filme passou, com sessões lotadas, muitas vezes o público ali será maior do que o atingido pelo filme nas salas de cinema.

O Som ao Redor, por exemplo, estreou em janeiro de 2012 em Rotterdam, e a gente deixou ele passar um ano em vários festivais, em Gramado, no Rio. O filme vai ficando quente, ganha boca-a-boca, as pessoas vão vendo, ele conquista prêmios. Então é estratégico deixar o filme ser visto em vários países para que você possa vendê-lo melhor.

CF: O Som ao Redor atingiu um público de cerca de 100 mil pessoas e é o principal sucesso da Vitrine Filmes até agora. Você acha que esse é o potencial-limite para filmes desse tipo ou ele poderia ter atingido um público maior?

SC: Eu acho que o filme fez o máximo que pôde. Ele só saiu de cartaz, depois de seis meses, porque o mercado é muito grande, tem muitos filmes estreando. Pelo potencial do filme no Brasil, considerando o mercado de salas de cinema no país e a quantidade de estreias, acho que ele foi um grande sucesso.

Ele chegou a um número bom de pessoas para um filme desse tamanho, com uma campanha dessa.  Se eu tivesse R$ 4 milhões e tivesse feito um monte de propaganda na Globo, talvez ele tivesse alcançado muito mais pessoas. Mas, nesse nicho, certamente ele é um sucesso.

CF: Como o governo pode incentivar a exibição de filmes nacionais independentes?

SC: A questão é complicada. Muitos países, como a China, proíbem. Você pode impedir que um blockbuster estreie em mais de 400 salas. Mas não sei até onde isso ia adiantar, porque talvez o filme, com menos salas, fique mais tempo em cartaz e a gente não consiga espaço do mesmo jeito. Aí você vai taxar também o tempo que ele fica em cartaz? É uma das saídas. Outra saída, que muitos países praticam e eu acho mais necessária, é mexer no bolso: hoje em dia, um filme americano com 700 cópias paga a mesma taxa para a Ancine (Agência Nacional do Cinema) que um filme nacional com duas cópias. O Estado poderia pegar uma porcentagem por cópia e isso eventualmente iria para a produção brasileira.

Faria mais sentido do que esse modelo da China e de outros países comunistas. Eu não iria para esse lado. Talvez faria uma cota de tela maior para filmes brasileiros, mas temos que lembrar que os cinemas, hoje, passam por uma crise. Muitos precisam da renda para sobreviver. Por mais que a cota de tela seja maior, os exibidores vão optar por filmes mais comerciais, porque eles precisam pagar as contas.

Na França, o selo do cinema de autor dá vantagens aos filmes com até 20 cópias. Eu acho que são soluções mais inteligentes do que chegar e taxar tudo. Vamos tentar um meio do caminho. Não é do interesse de ninguém que o exibidor feche as portas, mas concordo que os filmes deveriam ter um pouco mais de espaço.

O Brasil é enorme e a quantidade de salas é ridícula. Na França há uma sala a cada esquina. Então também é fácil falar que o modelo da França é incrível, mas olha a quantidade de salas deles. Trazer o modelo para o Brasil pode ser viável, mas deveria ser algo muito estudado e pensado.

CF: O filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro, foi muito elogiado em sua passagem pelo Festival de Berlim, de onde saiu premiado. Você tem a expectativa que o público desse filme supere o de O Som ao Redor?

SC: Expectativa a gente sempre tem, mas é aquela velha história do Cinema: até em Hollywood, muitas vezes um filme que você acha que vai ser um sucesso acaba fracassando. Fechamos contrato em outubro. Ele era um filme, agora ele é outro. É como se eles tomassem vida própria. O filme foi para (o Festival de) Berlim, voltou com prêmios (da crítica internacional e o Teddy Bear), o trailer fez sucesso, virou viral. Então o filme é um ser mutável até o lançamento. Tem filmes muito quentes que, quando vão estrear, não dão resultado. Isso depende de inúmeras coisas: da semana, do jogo de futebol, da chuva, do final da novela, dos filmes que estão em cartaz ao mesmo tempo.

Mas eu confesso que nossas expectativas, tanto minha quanto dos produtores do filme, só têm aumentado, e nem tem como ser diferente. Estávamos, em Berlim, acompanhando a internet, a resposta das pessoas, da crítica, do público, dos fãs, então temos boas expectativas.

CF: Você acha que a temática (romance homossexual entre adolescentes) determinará o nicho do filme em relação ao público?

SC: A gente já teve tantos casos de filmes gays que fizeram muito sucesso e de filmes gays que fracassaram bastante. Temos muitos gays no mundo, então eu não sei se isso é um determinante. Eu acho que a temática certamente será comentada, assim como o beijo da novela e outras coisas. Isso faz com que as pessoas falem do filme, mas pode prejudicá-lo também.

No caso, não é um filme gay explícito, é um filme de primeiro amor. Ele tem, sim, um cego, tem uma temática gay, mas não é como Um Estranho No Lago (filme de Alain Guiraudie que estreou no Brasil no ano passado), onde isso é o mote principal. É um filme sobre amizade, sobre amor, sobre família, então queremos mostrá-lo ao máximo para os exibidores, a fim de que vejam o filme como um todo, e não como um “filme sobre um gay cego”.

CF: Como a Vitrine se sustenta? Vocês têm lucro?

SC: Não temos lucro. A gente se sustenta graças a uma série de fatores, mas não há herança, não há família rica e ainda não há um investidor – eu adoraria que tivesse. Em primeiro lugar, a estrutura é muito pequena ainda, tentamos manter o custo fixo o mais baixo possível. Em segundo, como são filmes brasileiros, muitos deles têm editais que subsidiam a sua distribuição, e isso faz com que a gente não entre no risco. Ele pode fazer mil espectadores ou 10 mil que haverá dinheiro ali. Mas não é o suficiente, por isso que a Vitrine eventualmente faz mostras, busca dinheiro em editais, lança filmes estrangeiros, etc.  A gente tenta de tudo e, apesar de não ser suficiente, a Vitrine tem se mantido até hoje dessa forma.

Muitas vezes, um filme que tem um edital por trás segura os outros três que não têm nada, por exemplo. A parceria com a TV também foi fundamental. Não sei se a Vitrine estaria viva hoje sem o Canal Brasil. Houve uma vez em que fui lá com dez filmes para vender antecipadamente. É um dinheiro que ajuda muito mais do que o de um filme sozinho. São saídas estratégicas: o dinheiro público, o dinheiro da TV.

CF: Qual foi a reação do público à Sessão Vitrine (projeto de distribuição conjunta de filmes brasileiros independentes)? Você pretende retomar o projeto?

SC: Eu tenho interesse em retomar se o projeto mudasse algumas coisas. Eu gostaria de fazer algumas sessões com debate, o preço do ingresso poderia ser mais barato. A ideia da Sessão Vitrine vem muito de festivais, de criar uma marca, uma ideia de evento que vai além do filme. Mas, como os festivais, precisaria de dinheiro. Ele não pode depender da renda da bilheteria, e por isso que é interessante que receba um subsídio ou patrocínio. Do jeito que estava, em salas comerciais, concorrendo diretamente com as grandes produções, fica inviável.

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