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Curta de Deborah Viegas instiga olhar do espectador e levanta questões conceituais

08/06/16 às 18:28 Atualizado em 13/10/19 as 23:08
Curta de Deborah Viegas instiga olhar do espectador e levanta questões conceituais

Diretora dos premiados Kyoto (melhor curta brasileiro no 25º Cine Ceará) e São Paulo com Daniel (este, em codireção Nicolas Thomé Zetune, rendeu o troféu de melhor filme na VI Semana dos Realizadores), a mineira Deborah Viegas lança seu novo trabalho, o curta-metragem A Casa Cinza e as Montanhas Verdes, na seção competitiva Outros Olhares, que integra o 5º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.

A sinopse – “um olhar atento à natureza” – dá um indício do conceito do filme, realizado quase todo em um único plano longo e estático. A estratégia instiga o espectador a passear o olhar pelo quadro em busca de algum acontecimento que quebre a rotina de um lugar em que predominam os caminhões e carros que atravessam uma ponte, enquanto as montanhas ficam em segundo plano.

Em entrevista por e-mail ao Cine Festivais, Deborah Viegas falou sobre a sua motivação para realizar o filme e comentou sobre as questões conceituais que ele levanta.

 

 

Cine Festivais: O letreiro que introduz o filme (com a história sobre os porcos-espinhos) traz em si muitas possibilidades de interpretação. A ideia da necessidade de se encontrar uma distância correta com o outro para que ambos se beneficiem poderia ser aplicada aos relacionamentos humanos e à necessidade de manutenção de alguma individualidade. De outro modo, a direção de cinema implica em escolhas como o enquadramento, que define o que será mostrado e a que distância. Nesse aspecto, os planos predominantemente fechados de Kyoto são bem diferentes do plano aberto que ocupa quase toda a duração de A Casa Cinza e as Montanhas Verdes. Essas questões fazem sentido/estiveram presentes para você durante a realização deste último filme?

Deborah Viegas: Estiveram sim. É exatamente isso, os planos muito abertos e muito fechados operam em uma lógica inversa, mas muito parecida, porque os limites da câmera nos dois casos ficam muito latentes. E a consciência desses limites, entender esses limites, é o ponto de partida. O roteiro nasce sempre pensando na câmera como personagem/protagonista ativo na história.

Kyoto é sobre a vontade de voltar a um lugar, olhar as coisas de perto, projetar coisas pequenas em uma tela grande. E também sobre o limite de não conseguir tocá-las realmente. Esse filme já é sobre a necessidade de estar distante de algo, e ver de uma forma mais objetiva. As distâncias, os movimentos, não são respostas, mas desenham esse personagem diretor. Se eu afastasse mais a câmera, estaria observando outras coisas: talvez enxergasse de onde vêm as pessoas, mas talvez elas ficassem ainda menores. Se eu aproximasse mais, elas seriam maiores, mas talvez não pudesse ver o contexto do lugar, a água, o verde.

 

CF: O plano aberto dá ao espectador a possibilidade de passear seu olhar pelo quadro a fim de encontrar elementos que lhe tragam interesse. Em tese, ele retira um pouco do diretor o controle sobre o material, pois ele não direciona o olhar através de uma câmera mais próxima ou de sucessivos cortes. No caso de A Casa Cinza e as Montanhas Verdes, há uma sensação de realismo/cotidianidade, embora possa ficar em mente a possibilidade de que parte do que se vê em tela foi encenado. Levando esses aspectos em consideração, como você pensou, como diretora, essa questão de controle/descontrole sobre o material do filme? Que papel você quis que o som desempenhasse no trabalho?

DV: Todo trabalho de pós foi muito importante, porque foi como eu consegui criar a tensão, uma narrativa mais pontual e afinar toda mise-en-scène. E principalmente o som, porque ele realmente é o que mais desenha a atenção no quadro. E dai foi um trabalho de criar um som “natural”, mas que sugerisse algo, ou que apontasse pra alguma ação.

A questão do plano aberto era um ponto de partida, porque eu não queria hierarquizar nenhum elemento do filme. Não queria acompanhar um personagem nem outro, nem focar na natureza, nem nas máquinas. Pra não montar um discurso muito fechado, que privilegiasse a presença de um elemento específico, em termos do meu posicionamento (de quem olha). A ideia era que tudo, aqui e ali, fosse um todo, igualmente forte e igualmente legitimo. Então, o descontrole, nessa medida, é essencial ao filme.

E isso cria também, exatamente, esse efeito de cotidiano de “transparência” que me interessa muito. A gente se pergunta o que faz parte de uma certa “harmonia” do mundo e o quanto essa harmonia foi criada. A gente se pergunta o que é “magica”, o que é real e o que é a “mágica do real”.

Acho que minha ideia é sempre fazer algo em que ação, cor e mise-en-scène sejam controladas e que seja “conceitualmente” controlado, mas justamente para chegar ao descontrole e ao lacunar. E fazer de modo que ele, o descontrole, conserve o mistério do filme, porque pra mim também é interessante poder me surpreender e descobrir coisas também.

 

CF: Em que momento do processo do filme esta história do porco-espinho surgiu para você (foi algo motivador para o filme ou veio depois)? Aproveitando essa pergunta, conte sobre as motivações para o filme e como se desenvolveu o processo de produção (onde foram feitas as imagens, quanto tempo durou, etc.).

DV: O A Casa Cinza… surgiu depois de alguns anos de relação com um amigo que tentou se matar, num esforço de entender melhor essa relação. Um dia eu li uma historia sobre uma mulher que se jogava de uma ponte e um estranho que morria tentando salvar ela. E pensei nessa cena, no rio, nos carros passando, e em alguém que está de longe contando essa história: que assiste alguém se matar sem fazer nada, mas que também assiste alguém morrer tentando salvar outra pessoa. E como isso tinha a ver com questões minhas da época e com outras questões sobre o mundo.

O texto do porco-espinho eu encontrei em outro contexto, algum tempo antes. Ele entrou mais por uma questão estética, porque eu queria trazer mais “calor” para o filme, porque ele me parecia ter um olhar excessivamente frio. Achei que seria bonito trazer uma coisa escrita a mão, rabiscar, deixar mais pessoal, transformar o filme quase em um cartão postal de alguém.

A produção foi complicada. O filme foi feito com o dinheiro de um prêmio que eu ganhei em um festival, que foi o suficiente pra pagar a gasolina, um dublê e um mergulhador. A equipe mesmo trabalhou de graça e eram seis pessoas. O processo foi super matematico. Fiz algumas viagens procurando pontes no meio da estrada, elas tinham que ter alguma montanha em frente em que nós pudéssemos posicionar a câmera do alto.

Essa ponte ficava a mais de três horas de São Paulo, e depois de escolher fomos algumas vezes na locação fazer teste de câmera, checar com um mergulhador a topografia do rio. A gente precisava checar se era seguro pular, se o rio era profundo, se tinham pedras. Procurar os responsáveis pela linha do trem, descobrir o horários que o trem ia passar naquele dia.

Eu e a câmera ficávamos em uma montanha, o ator, o mergulhador de segurança e parte da equipe ficavam na margem do rio. E a produtora e o dublê ficavam no carro. Todo mundo se comunicando com dois celulares, para coordenar as ações. Foi um mês de pré-produção e só um take, porque o carro de bombeiros chegou logo depois, quando denunciaram uma tentativa de suicídio na rodovia.

 

CF: Na sinopse (“Um olhar atento à natureza”) se nota a ideia de colocar o espectador em um papel ativo frente ao filme. Queria que você falasse sobre o título, que a princípio pode carregar uma ideia bucólica, mas que no meu modo de ver o filme ganha uma carga bem mais pesada (se considerarmos que a “casa” do título é a ponte). 

DV: Eu dei o titulo pensando muito sobre quadros de Still Life (natureza-morta), de paisagem, frutas, cotidiano… que eram considerados “assuntos menores”, decorativos, e inferiores aos quadros com temas “importantes” históricos e religiosos.

E então eu fui pesquisar os títulos que se davam pra desses quadros. Se o pintor fazia um quadro de uma cesta de maçãs, o nome do quadro seria “Cesta com maçãs”. O (Paul) Cézzane, por exemplo, tem vários quadros diferentes em que ele pinta maçãs, todos com pequenas variações de títulos assim, “maçã e biscoitos”, “jarra de leite com maçãs”, “maçã e copo de vidro”, “Still life with apples”.

Um deles, dessa série de maçãs, que eu achei incrível, tem uma mesa com maçãs e um crânio, e o quadro se chama “Still Life with a skull”. E pensando nisso, e como esses títulos são óbvios, ingênuos, mas ao mesmo tempo bem específicos. Esses quadros, quando bons, tem exatamente isso que você disse, um atrito entre o bucólico e o pesado.

A ideia foi dar um título bem objetivo, meio de pintura, meio de fábula, que tivesse um deslocamento com a especificidade. Como quem diz: a montanha é verde, isso é obvio, mas é importante. E a superfície, o detalhe, o espaço, o fundo são importantes. E na verdade eu nunca tinha pensado especificamente na “casa” como a ponte, mas a ideia era justamente essa de estimular que as pessoas explorassem o valor simbólico/político das coisas concretas e cotidianas.

 

Sessões de A Casa Cinza e as Montanhas Verdes no 5º Olhar de Cinema

– 11/6 – 19h – Espaço Itaú – Sala 2 – Shopping Crystal

– 14/6 – 16h15 – Cineplex – Shopping Novo Batel

 

>>> Acompanhe a cobertura sobre o 5º Olhar de Cinema

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