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Tema de mostra, obra de Nelson Pereira retrata sete décadas da história do País

16/02/17 às 14:56
Tema de mostra, obra de Nelson Pereira retrata sete décadas da história do País

Prestes a completar 90 anos, e ainda em atividade, Nelson Pereira dos Santos é dono de uma longeva obra cinematográfica, com trabalhos de destaque em diferentes décadas. Seu longa-metragem inaugural serviu como referência para a geração do Cinema Novo, composta por Glauber Rocha, Leon Hirszman, Cacá Diegues, entre outros nomes.

Rio 40 Graus é um filme que mostrou à juventude cinéfila e ávida a produzir que era possível fazer cinema sem ter um orçamento gigantesco, sem precisar de um grande estúdio, toneladas de equipamento e grandes estrelas”, aponta Breno Lira Gomes, um dos curadores da Mostra Simplesmente Nelson, que acontece no Caixa Belas Artes, em São Paulo, até o dia 22, mostrando quase toda a filmografia do cineasta.

O “quase” acima diz respeito a duas exceções: o primeiro curta de Nelson, Juventude, é considerado perdido, pois não restaram cópias de exibição; já Rio 40 Graus, eleito recentemente entre os “100 Melhores Filmes Brasileiros” pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), não pode ter sessões públicas graças a um imbróglio judicial envolvendo a Regina Filmes e a Cinemateca Brasileira.

Todos os demais filmes dirigidos por Nelson estarão na programação, assim como obras em que ele atuou como montador (Barravento, de Glauber Rocha), assistente de direção (O Saci, de Rodolfo Nanni; e Agulha no Palheiro, de Alex Viany), e produtor (O Grande Momento, de Roberto Santos). Além disso, serão mostrados filmes em que Nelson é retratado: Nelson Filma, de Luiz Carlos Lacerda; e Como se Morre no Cinema, de Luelane Loiola Corrêa. Os filmes serão exibidos em 35mm, DCP, Bluray e/ou DVD.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Cine Festivais, o curador Breno Lira Gomes falou sobre os principais destaques da mostra Simplesmente Nelson.

 

Cine Festivais: Do mesmo modo com que Nelson Pereira dos Santos falou de Tom Jobim apenas com trechos de suas apresentações musicais, seria possível falar da história do Brasil nas últimas sete décadas apenas com os filmes realizados por Nelson? Nessa carreira de quase 70 anos, quais são os filmes mais importantes que conectam o trabalho de Nelson à história política, artística, social e econômica do Brasil durante esse período?

Breno Lira Gomes: Acredito que seja possível sim. Até porque, Rio 40 Graus, Rio Zona Norte e Vidas Secas estão mais atuais do que nunca. Isso só pra falar dos filmes de início de carreira do Nelson Pereira dos Santos, realizados entre os anos de 1955 e 1963.

Nelson é um cineasta com um olhar muito particular sobre a realidade brasileira. O Luiz Carlos Lacerda, o Bigode (cineasta e ex-assistente do Nelson), diz que os filmes do Nelson são premonitórios de situações que aconteceram no Brasil. A coragem dele em mostrar a realidade, sem medo ou vergonha, de uma forma realista, faz com que sua obra seja uma representação do país dos últimos anos.

Um país preconceituoso com o negro, pobre e favelado (Rio 40 Graus). Um país que sofre eternamente com a seca no Nordeste, onde o pequeno agricultor é obrigado a largar tudo e tentar a vida em outro lugar (Vidas Secas). Um país que até hoje não sabe lidar com suas raízes, a mistura de suas raízes nativas (indígena), europeia e africana (Casa Grande e Senzala). Um país onde os políticos são capazes de tudo pra se manter no poder (Brasília 18%). Um país onde fazer sucesso é ofensa pessoal (A Música Segundo Antonio Carlos Jobim). De Rio 40 Graus até A Luz do Tom são 67 anos registrando nosso povo, nossa história, nossa cultura. Adaptando histórias consagradas da nossa literatura, que só nos fazem refletir sobre nossas vitórias e erros, para quem sabe, tentarmos fazer algo diferente no futuro.

 

CF: A programação da mostra apresenta uma masterclass com o tema “Nelson Pereira e a literatura”. Além der ser o primeiro diretor de cinema imortal da Academia Brasileira de Letras, Nelson realizou ao menos dois de seus melhores filmes (Vidas Secas e Memórias do Cárcere) a partir de clássicos da literatura. Quais são as principais características das adaptações literárias de Nelson Pereira dos Santos e que trabalhos além dos já citados são importantes para aprofundar o estudo da ligação da literatura com o cinema do diretor?

BLG: Nelson Pereira dos Santos é um cineasta autor/escritor. Ao adaptar um livro, ele pode ser o mais fidedigno possível (caso das obras citadas na pergunta), ou pode transformar o texto literário que serviu de inspiração em uma alegoria da época que o produziu (caso de Azyllo Muito Louco, livre adaptação do conto O Alienista, de Machado de Assis).

O fazer cinema acaba sendo uma grande experiência para o Nelson. E também uma troca, pois ele vai pro set sabendo o que quer em cada cena, e às vezes ela nem está escrita no papel. O texto literário é a base, de onde ele tira o fio condutor para transpor em imagem em movimento. O sertão de Graciliano Ramos está lá descrito no livro e da mesma forma o vemos na tela do cinema, fotografado por José Rosa e Luiz Carlos Barreto.

Talvez Vidas Secas e Memórias do Cárcere sejam as mais importantes adaptações feitas por Nelson. Mas é preciso dar uma atenção especial a Como Era Gostoso o Meu Francês, Fome de Amor e Raízes do Brasil.

 

CF: O próprio Nelson Pereira refutou muitas vezes sua inclusão no Cinema Novo. É possível dizer que, assim como Rosselini com relação ao neorrealismo, Nelson fundou uma corrente que posteriormente viria a abandonar?

BLG: O cinema de Nelson Pereira dos Santos é um marco inicial para o que veio a se tornar o Cinema Novo. Rio 40 Graus é um filme que mostrou à juventude cinéfila e ávida a produzir que era possível fazer cinema sem ter um orçamento gigantesco, sem precisar de um grande estúdio, toneladas de equipamento e grandes estrelas.

Nelson abriu uma porta, iniciou um caminho, por onde depois surgiram Glauber Rocha, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman entre outros. E como Nelson é um cineasta atento com o que acontece ao seu redor, eu não diria que ele abandonou o Cinema Novo, mas foi uma fase importante do nosso cinema que já passou. Uma fase que influencia até hoje os novos realizadores. E com o término dessa fase, o realizador Nelson Pereira dos Santos seguiu seu caminho experimentando novas formas de produção. E o tem feito até os dias de hoje, com quase 90 anos de idade.

 

CF: Quando se estuda uma filmografia importante, é natural o movimento de tentar definir fases distintas que tenham características semelhantes na carreira de um diretor. No caso de Nelson Pereira dos Santos, é possível traçar uma trajetória dividida em fases cronológicas/temáticas?

BLG: Acho mais fácil talvez, para mim, dividir a obra do Nelson por temas. É notório que ele foi um dos diretores que mais realizou adaptações literárias no cinema brasileiro, e também como a literatura tem uma grande importância na sua filmografia. Dessa forma, temos os filmes Adaptados, onde se encaixam obras como Vidas Secas, Memórias do Cárcere, Boca de Ouro. Temos os filmes Inspirados, que são adaptações livres, como Fome de Amor, Azylo Muito Louco, Raízes do Brasil. Temos também Criações e Experimentações, que inclui Rio 40 Graus, Rio Zona Norte, Mandacaru Vermelho, A Música Segundo Antonio Carlos Jobim. E também as Encomendas, pois Nelson, mesmo sendo um cineasta autoral, não deixou de fazer um filme só porque fora convidado por um produtor, como é o caso de Na Estrada da Vida, onde narra a história da dupla Milionário e José Rico, trabalho que fez um grande sucesso no Brasil e na China.

 

CF: O objetivo da mostra era exibir todos os filmes realizados por Nelson Pereira dos Santos? Por que alguns deles ficaram de fora da programação e o que foi constatado a respeito do estágio atual de preservação dos filmes do diretor?

BLG: Apenas dois filmes dirigidos pelo Nelson estão fora da mostra. O primeiro curta que ele dirigiu em 1949, Juventude, porque não existe mais cópia, está perdido. E o primeiro longa, Rio 40 Graus, que por conta de uma situação judicial envolvendo a Regina Filmes e a Cinemateca Brasileira, o mesmo não pode ser exibido em nenhum formato, infelizmente.

Os filmes do Nelson estão hoje guardados no Arquivo Nacional no Rio de Janeiro. E muito bem conservados. A equipe do Arquivo Nacional faz um trabalho primoroso, que deveria ser copiado por vários acervos no País. Algumas cópias são antigas, mas possíveis de exibição. E outras são cópias restauradas.

 

Serviço

Mostra Simplesmente Nelson

Data: De 9 a 22 de fevereiro de 2017

Local: Caixa Belas Artes (Rua da Consolação, 2423 – Consolação – São Paulo – SP)

Ingressos: R$ 10 (inteira); R$ 5 (meia)

Site: http://www.caixabelasartes.com.br/em-cartaz/mostra-simplesmente-nelson/

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