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Curador de mostra no CCBB destaca filmes derradeiros: “são puro Antonioni”

09/05/17 às 17:12 Atualizado em 13/11/19 as 09:59
Curador de mostra no CCBB destaca filmes derradeiros: “são puro Antonioni”

A partir do dia 11 de maio, a mostra Aventura Antonioni desembarca no CineSesc, na capital paulista, onde ficará em cartaz por uma semana, com exibições dos principais trabalhos do cineasta italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007). O evento está em cartaz nos Centros Culturais Banco do Brasil de São Paulo e Rio de Janeiro (até 22 de maio) e Brasília (até 29 de maio).

A programação abrange filmes desde o início de sua carreira, com seus pouco vistos curtas-metragens documentários, passa pelos filmes mais famosos, como os da Trilogia da Incomunicabilidade (A Aventura, A Noite e O Eclipse) e os falados em inglês (Blow Up, Zabriskie Point e O Passageiro: Profissão Repórter), e chega até as colaborações finais do italiano com cineastas como Wim Wenders, Steven Soderbergh e Wong Kar-Wai.

Esta última leva de trabalhos, realizados após o Acidente Vascular Cerebral que o cineasta sofreu em 1985, é menos conhecida e tida por muitos cinéfilos como menos importante, algo que o curador da mostra, Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida, contesta veementemente.

“Há uma ideia de que são menos filmes do Antonioni e mais dos diretores que o auxiliaram, como Wim Wenders. Mas são puro Antonioni, que está no controle artístico das produções. O erotismo, a sensualidade, a carnalidade de Além das Nuvens, a busca de um diretor por seu filme e sua musa, questões que ele já levantara em Identificação de Uma Mulher, estão todas lá. E voltam em Lo Sguardo di Michelangelo, seu filme derradeiro, um curta muito bonito”, comenta.

O Cine Festivais enviou por e-mail algumas perguntas sobre o cineasta homenageado pela mostra. Confira a seguir as respostas do curador Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida.

 

Cine Festivais: Na história do cinema a revista mais citada quando se fala de críticos que depois migraram para a função de diretor é, com sobras, a Cahiers du Cinema e o grupo que veio a formar a Nouvelle Vague. No caso italiano, que tipo de influência as reflexões que nomes como Carlo Lizzani, Luchino Visconti, Roberto Rossellini, Federico Fellini e o próprio Michelangelo Antonioni realizavam na revista “Cinema” se refletiam como em suas produções? Seja por aproximações ou distanciamentos, como o neo-realismo influenciou os primeiros trabalhos de Antonioni?

Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: No caso da Revista Cinema, era o que eles NÃO faziam. Porque era a revista da indústria do cinema italiano fascista, das produções do “telefone branco” e dos filmes de guerra. Mas ao mesmo tempo eles estavam filmando Ossessione clandestinamente. Não foi como na Cahiers, em que o trabalho crítico migrou para os filmes. Houve os encontros propiciados pela revista, as trocas de ideias que resultaram no neo-realismo, mas não nas páginas das revistas.

O trabalho do Antonioni foi mais influenciado pelo distanciamento; talvez apenas Gente do Pó possa ser classificado como neo-realista no sentido estrito. Ele rapidamente procurou novas formas em seus documentários, nas narrações, nos cortes.

 

Quando se fala em Antonioni, logo se pensa na Trilogia da Incomunicabilidade ou em filmes posteriores, como Blow-Up ou Passageiro – Profissão Repórter. O que se pode falar dos filmes anteriores a A Aventura? Quais características os diferenciavam desta fase seguinte do diretor? Quais traços de autoria estilísticos e temáticos permaneceram daquele período para a fase mais conhecida de Antonioni?

São os filmes da segunda onda do neo-realismo, que se preocupam mais com a psicologia interna das personagens e se distanciam da realidade bruta das ruas. Antonioni nesse período tem mais ligação com o Rossellini dos filmes com a Ingrid Bergman, do Visconti de Belíssima, ou mesmo Fellini. Tematicamente, a presença muito forte da mulher, como protagonista, já está nesses filmes, e de um olhar mais voltado para a classe burguesa (com exceções de Os Vencidos e O Grito). De autoria estilística, o uso do espaço, da arquitetura, a composição do quadro, embora ele abandone a janela 1.37 e só volte a utilizá-la em China e em O Mistério de Oberwald.

 

São lembradas até hoje as vaias do público no Festival de Cannes durante sessão de A Aventura, e a imediata reação de colegas artistas e cineastas defendendo o trabalho, que viria a receber o Grande Prêmio do Júri. Há na história de festivais importantes de cinema algum exemplo tão significativo de detratação-louvação instantânea de um filme? Levando em conta a obra anterior de Antonioni, quais foram as principais explicações tanto para o estranhamento que levou às vaias quanto para o encantamento que provocou moções de apoio ao filme?

Talvez o exemplo mais próximo seja Sob o Sol de Satã, do Maurice Pialat, que ganhou a Palma de Ouro sob vaias. E ele respondeu ao receber o prêmio de que também não gostava deles. No caso de A Aventura, sempre há muito exagero quando se fala que uma obra, no passado, causou polêmica ou dividiu o público. A Sagração da Primavera não causou tumultos em Paris quando foi encenada pela primeira vez, o que não quer dizer que não tenha provocado um choque estético. O filme do Antonioni foi recebido em parte com estranhamento, afinal uma das supostas protagonistas desaparece e não retorna, deixando um plot em aberto. Mas, neste mesmo ano, Hitchcock assassinou (a personagem de) Janet Leigh com 30 minutos em Psicose, é preciso lembrar.

 

Levando em conta as características que levaram os filmes A Aventura, A Noite e O Eclipse ficarem conhecidos como a Trilogia da Incomunicabilidade, você acredita Deserto Rosso, O Dilema de uma Vida também poderia se encaixar nesse grupo de filmes, formando uma tetralogia?

Há uma vertente crítica que o encaixa, mas eu não. A humanidade desaparece no fim de O Eclipse, não há mais nada que Antonioni possa falar ali. Deserto Rosso talvez possa ser visto como um filme pós-apocalíptico, sobre o que restou, mas as diferenças ainda são grandes. Há a cor, e Monica Vitti se expressa, se expressa demais, mesmo que desequilibradamente.

 

Quais foram os principais fatores que levaram Antonioni a dirigir filmes em inglês, e o que se pode destacar em comum de obras tão significativas como Blow-Up, Profissão: Repórter e Zabriskie Point?

Antonioni assinou um contrato com Carlo Ponti e com a MGM para fazer três filmes, que acabaram sendo Blow Up, Zabriskie Point e O Passageiro: Profissão Repórter. Esse é o motivo prático. Quanto à questão artística, acho que tem a ver com um esgotamento do seu cinema. Depois de falar sobre o fim da humanidade, sobre o pós-apocalipse, sobrava o quê? Ele precisava se reinventar. E em 1967 seu relacionamento com Monica Vitti terminou, então também havia essa crise.

 

O que se pode destacar na obra de Antonioni realizada após o acidente vascular cerebral que ele sofreu em 1985?

Que elas continuam brilhantes. Há uma ideia de que são filmes menores, ou de que são menos filmes do Antonioni e mais dos diretores que o auxiliaram, como Wim Wenders. Mas são puro Antonioni, que está no controle artístico das produções. O erotismo, a sensualidade, a carnalidade de Além das Nuvens, a busca de um diretor por seu filme e sua musa, questões que ele já levantara em Identificação de Uma Mulher, estão todas lá. E voltam em Lo Sguardo di Michelangelo, seu filme derradeiro, um curta muito bonito, em que reflete sobre a morte, sua própria fragilidade física, a imortalidade, as sensações fugidias do olhar e do toque, o Eros, o Tânatos.

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