facebook instagram twitter search menu youtube envelope share-alt bubble chevron-down chevron-up link close dots right left arrow-down whatsapp back

Ventos de Agosto, de Gabriel Mascaro

28/10/14 às 10:49 Atualizado em 08/10/19 as 20:28
Ventos de Agosto, de Gabriel Mascaro

Ventos de Agosto é um filme de várias realidades. Numa comunidade à margem dos aparelhos da cidade, acompanhamos a inconsistência do punk hardcore de Shirley (Dandara de Morais), que, com o intuito de cuidar da avó, muda-se para esse lugar à beira-mar que possui uma relação transitória com o corpo e a morte. Desta relação alimenta-se a fascinação de Jeison (Geová Manoel dos Santos), um morador que perdeu a mãe ali, onde a água invade o cemitério construído na areia da praia.

O casal vai dar uma dimensão corporal ao filme oposta à realidade desse ambiente. Cenas que exploram sensualidade e em que tatuam-se animais serão tentativas de eternizar uma relação com o corpo, num lugar em que os corpos dos mortos são levados pelo mar, passageiros.

A narrativa problematiza-se a partir do momento em que um técnico vem “medir o vento” da região e é macabramente levado pela maré. Um encontro entre o povoado e um corpo que volta do mar move Jeison a tratar desse cadáver inchado e deteriorado até que a polícia chegue ao local. Isso se ela conseguir acertar o caminho.

Ventos de Agosto tem muita força nas várias camadas de conflitos trabalhadas dentro do filme. A dupla invasão de influências e alienações entre diferentes grupos sociais são refletidas no conflito entre gerações, lugares e crenças, ainda sob o som das irrupções do The Lewd, Tracy Chapman e do Pintinho Amarelinho.

Da mesma forma, o que mais chama atenção é sua desconstrução criativa, as técnicas que usa para manter um discurso ficcional e adquirir uma dimensão contemplativa documental. Num âmbito maior, a realidade da produção do filme também entra em conflito com o seu objeto fílmico: Mascaro confirma que os personagens-chave por muito contracenam com os (autênticos) moradores do vilarejo e criam situações de improviso extraordinárias. Assim, a experiência do set é incorporada na ficção.

Para além dos mais clássicos independentes americanos aos filmes do dogma 95 e mumblecores, esse tipo de condução parece mais próximo ao gênero da etnoficção (a exemplo de Flaherty, Jean Rouch, Fernando Meirelles). Contudo, o filme de Mascaro possui uma habilidade incomum de retirar o espectador da narrativa e envolvê-lo de novo. A presença do “técnico dos ventos” não só registra os dados sonoros das brisas, como expõe o microfonista de som direto do filme. O técnico é personagem que dialoga (e interfere) no povoado e, ao mesmo tempo, assume a própria condição de “ouvidos” da plateia: descaradamente aponta o microfone para a própria boca e logo ao interlocutor, para que se possa ouvir sua conversa. Mais adiante, entrega o instrumento nas mãos de crianças da região e, por mais que seus olhares acanhados denunciem a câmera, o especialista é absorvido na diegese da cena, logo antes de ser “engolido” pelo mar. Uma possível metáfora das condições do filme no próprio filme.

Refletindo suas próprias condições, Ventos de Agosto é um filme que merece ser visto atenciosamente. Há quem diga que a culpa de Jeison ao tomar os cuidados da carcaça para si é incalculável, e representa uma geração de brasileiros que carrega nas costas um peso desconhecido; que o contexto da narrativa reflete um país numa fase de transformações efêmeras, característica dos governos de administração não transparente aos quais foram dados a “bola da vez”. Além de possuir várias camadas de enredamento, o primeiro longa de ficção de Gabriel Mascaro segue a mesma lógica da sua filmografia anterior: investiga a ironia dentro das próprias condições do seu objeto fílmico e, a partir disso, intervêm com humor, produzindo um filme envolvente e atípico.

Nota: 9,0/10 (Excelente)

 

Leia também:

>>> Entrevista com Gabriel Mascaro

Entre em contato

Assinar

Siga no Cine Festivais