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Um Campo de Aviação, de Joana Pimenta

23/10/16 às 23:43 Atualizado em 08/10/19 as 20:25
Um Campo de Aviação, de Joana Pimenta

O novo curta de Joana Pimenta é tão sensível às poéticas visuais que podem ser produzidas através da arquitetura quanto seu último, As Figuras Gravadas na Faca pelas Seivas das Bananeiras. Seu filme é polvilhado de estruturas de agressão que se materializam logo no início, na criação de uma espécie de claquete transparente que sincroniza imagem granulada e ruído branco. O corte como estrutura do filme torna-se bruto ao mesmo tempo que não se descarta sua natureza sucinta (aquela inerente ao cinema), assim como edifica-se uma cidade cinematográfica ao redor de quem constrói ela; uma cidade planejada, que levanta-se de súbito. Uma cidade como Brasília.

Os quadros de Joana possuem uma perspectiva flutuante: ela modela os limites do campo com as bordas da cratera do Pico do Fogo e também com as formas das janelas horizontais vistas do interior de prédios de Brasília. Suas bordas comparam as vulnerabilidades dos que estão sujeitos às iras do relevo natural com aqueles sujeitos à sombra dos palácios artificiais brasileiros. O filme reflete essa noção de deslocamento com força, na perspectiva das pessoas que supostamente habitam esses lugares, mas não pertencem a eles. Assim como os “ratos” que não têm vez em Brasília, em uma citação a Clarice Lispector que aparece no curta em um determinado momento.

Quando os ratos aparecem ao sol, já são príncipes de uma civilização antiga. Figuras ao longe de uma obstinação desastrosa, deixando rastros incendiários que impressionam tanto quanto fogos de artifício. Com esse tipo de alusão que Joana parece sugerir, suas composições nunca são desperdiçadas na tela. Todas possuem um grande propósito referencial, este refletido na grandeza de seus planos e no tempo dedicado a eles, em um trabalho meticuloso entre o som e o poder sugestivo da imagem. Nesse sentido, as estruturas acidentais têm grande impacto na obra, assim como nos seus outros trabalhos, aqui numa escala do tamanho de uma cidade planejada.

Os acidentes que se sucedem na tela somam-se à perspectiva deslocada com intensidade, provocando a impressão de que, talvez, não existam perspectivas da capital brasileira que não sejam alienadas ao Plano Piloto. A arquitetura de Brasília parece ser vista por Joana de maneira inversa à de Robert Smithson quando celebrava sua escultura em Spiral Jetty (1970); sua perspectiva nunca é obviamente aérea, é sempre a de uma pessoa que habita os interiores escuros da cidade, a não ser quando observa-a através da maquete, esta nada menos que uma reprodução artificial do olhar.

A referência ao clássico de Smithson me parece clara: além da intertextualidade arte – escultura – arquitetura, Um Campo de Aviação parece também, entre suas alusões e paralelos, ter um grande interesse em documentar a “história da terra”, porém em relação à civilização. Ainda, ambos os filmes trabalham a desorientação visual do espectador, embora Joana tenha uma agenda política mais engajada socialmente.

A capital do Brasil é quase como um sonho dos antigos, daqueles que voaram muito próximo ao sol, ou caminharam na direção da lava do vulcão. O filme de Joana Pimenta usa inversões que são extremamente poderosas, principalmente na relativização gráfica que pratica, por exemplo, nos limites de seus quadros. Uma vez imerso no filme, é fácil confundir nos limites da cratera do vulcão o que é céu e o que é lava.

As figuras que perambulam na sua direção parecem se queimar no fogo de qualquer maneira: “eram todos cegos”, como já apontava Clarice. Assim, em Brasília não é diferente. O fato de que de cima pretende-se ver tantos aviões quanto de baixo é suficiente para representar as ambições de príncipes que também já confundiam o céu e a terra. A cidade planejada viaja na história por meio dos acidentes do tempo e, para quem contempla sua sombra, ela pode ter se tornado aquele ponto de encontro no horizonte, entre os deslocamentos naturais e artificiais, entre ratos e cegos.

 

*Filme visto na 10ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte

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