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Retorno a Ítaca, de Laurent Cantet

25/10/14 às 05:43 Atualizado em 08/10/19 as 20:28
Retorno a Ítaca, de Laurent Cantet

Suponho que a maior ofensa que se possa fazer a Laurent Cantet é a acusação de que o registro de um filme seu é superficial ou a de que as atuações não convencem. Isso porque cada autor persegue uma coisa e está berrante em Entre os Muros da Escola e nos seus outros longas que a obsessão primeira de Cantet é a autenticidade/realidade das cenas. Sua orientação estética produz um arranjo cinematográfico repleto de traços documentais, principalmente nas atuações: ritmo das falas, tempo das pausas, organicidade dos diálogos e interrupções, discussões assustadoramente críveis, etc. O resultado, raro, é o de um cinema extremamente vivo, no qual os personagens vibram e nos atingem como se os conhecêssemos.

Em Retorno a Ítaca, o roteiro que receberá esse tratamento nos coloca num terraço em Havana. O escritor Amadeo (Néstor Jiménez) acaba de retornar do exílio de 16 anos em Madrid e encontra seus amigos: Rafa (Fernando Hechevarria), um artista plástico no ostracismo, Tanía (Isabel Santos), uma médica cujos filhos foram morar em Miami, Aldo (Pedro Julio Díaz Ferran), que trabalha construindo e consertando baterias de carro numa oficina, e Eddy (Jorge Perugorría), que viaja o mundo em atividades suspeitas. Com o sol se pondo no fundo, está plantada a situação de grupo (também cara à obra de Cantet) e passaremos o filme acompanhando a conversa: como estão os laços entre eles? Como veem o passado da amizade? O que enxergam da Cuba de hoje e da história recente do país?

Reencontro: amor, lembrança, culpa e confronto

Reencontro: amor, lembrança, culpa e confronto

O título do filme não é uma referência banal. O Ulisses de A Odisséia é rei de Ítaca; herói de guerra, dono de autêntico espírito de luta e leal à sua terra e aos seus amados. A fundamental obra de Homero é considerada um poema de nostos, vocábulo que grego que originou a palavra nostalgia, cujo significado compreende a dor provocada pela vontade de retornar. No fundo, é a nostalgia do que foram e do que não foram o que sensibiliza Amadeo e os outros. 

São personagens melancólicos, com cicatrizes abertas, de alguma maneira insatisfeitos com suas trajetórias e com o que se tornaram.  Era esperado que a reunião de perfis assim originasse confrontos. A culpa sobre as doses de fracasso presentes em cada um recai sobre decisões do passado, desnuda conflitos pessoais entre eles e, principalmente, pinta um quadro nublado da ditadura de Fidel Castro. A ferida liberdade de expressão e o medo diante do autoritarismo punitivo são dois tópicos fortes no discurso de alguns deles. Ressentem-se de seu país, são críticos ao regime. Mas o olhar mais atento, aquele despertado pelo desenho das entrelinhas e elipses do roteiro, verá que o envolvimento daquelas pessoas com Cuba é maior, digno de uma conexão apaixonada que não dá alternativas. Amadeo, desde que foi embora, não escreveu mais. Aldo rebate as visões dos colegas e diz levar uma vida digna, com orgulho. Rafa e os outros reclamam, mas acham graça no time de beisebol local que só perde e são devotos do divino feijão preto de Fela (Carmen Solar), mãe de Aldo.

Gradativamente, Cantet faz brotar humanidade da reunião. Muito nos diz que, em essência, aquele momento é feliz, principalmente por estarem juntos. Os atores, todos cubanos, dão corpo e espírito francos ao papel, talvez ecoando um pouco da relação afetuosa e ambivalente que, por ventura, mantêm com suas origens. A sobriedade do retrato, quando bem-sucedida, sempre origina um rico leque de interpretações, nas quais cambaleamos sem perder de vista o valor mais estrutural da obra: a amizade.

 

Nota: 10/10 (Excelente)

 

Sessões na 38ª Mostra de São Paulo

– 25/10, às 121h45, no Espaço Itaú de Cinema – Augusta 1

– 26/10, às 19h15, no Reserva Cultural 1

– 27/10, às 11h, na FAAP

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