facebook instagram twitter search menu youtube envelope share-alt bubble chevron-down chevron-up link close dots right left arrow-down whatsapp back

Paterson, de Jim Jarmusch

01/11/16 às 17:13 Atualizado em 08/10/19 as 20:25
Paterson, de Jim Jarmusch

Nomeado à Palma de Outro em Cannes, Paterson é um filme difícil de ser classificado em relação a seu gênero. Com um roteiro inusitado para o cinema, onde a rotina é mais significativa do que eventuais conflitos, o diretor Jim Jarmusch utiliza-se de recursos narrativos não tradicionais para provocar uma sensível reflexão sobre o poético ato de simplesmente existir.

Paterson (Adam Driver) é um motorista de ônibus que vive na cidade de Paterson. Todo dia, repete o mesmo ritual: se levanta cedo; beija sua esposa Laura (Golshifteh Farahani); dirige o ônibus que também leva seu nome; passeia com Marvin, o cão; toma uma cerveja no pub. O ciclo, à primeira vista monótono, gera uma expectativa subconsciente, quase um desejo discreto, de que em breve alguma coisa irritará o protagonista, seja no trabalho, que não abarca seu talento criativo, ou em sua mulher, excessivamente sonhadora.

No entanto, a rotina se mostra surpreendentemente sublime para Paterson, uma fonte inesgotável de inspiração para os poemas que escreve quando não está ocupado contemplando a beleza, às vezes cômica e surreal, do processo de repetição que permeia a vida.

Adam Driver enriquece o personagem com seu estilo de atuação, atingindo um equilíbrio perfeito entre a introspecção e a curiosidade constante pelo mundo externo e seus habitantes. Dessa forma, Paterson não soa como um mero otimista, mas também não se encaixa em um perfil pessimista e solitário. Sua percepção sobre as coisas se atém ao que elas de fato são, ocupando cada uma sua função em uma admirável órbita. Esse belo realismo é a base através da qual ele filtra a poesia presente nos elementos que o rodeiam, tecendo até mesmo versos de amor a partir da caixa de fósforos que pousa aleatoriamente sobre a mesa da cozinha.

Os poemas secretos de Paterson, escondidos em um caderno sem cópias, são expostos na tela lentamente enquanto são escritos, em um ritmo calmo e profundo, numa harmonia excelente entre narração e montagem. Affonso Gonçalves (Amantes Eternos, Carol), brasileiro que assume a edição do filme, acerta na dinâmica entre texto, som e sobreposições de imagens, sustentando de forma leve e intensa algumas das cenas mais importantes do filme, nas quais o espectador é convidado a enxergar e sentir como o personagem, uma visão sem a qual a história se perderia.

Paterson, em seu enredo antidramático, não apresenta um protagonista com conflitos que precisam ser resolvidos: ele é também um observador que assiste a si mesmo, uma lente capaz de transformar o dia a dia pacato de um indivíduo em uma combinação quase mágica de repetições e excentricidades improváveis. Essa posição privilegiada ocupada por ele é proporcionada em grande parte pelo seu anonimato, que nunca se mostra como um empecilho para o desenvolvimento de sua arte – pelo contrário, é uma condição prévia para que ela floresça.

Sem inquietações que motivem grandes mudanças, Paterson encerra o filme com uma vida, no geral, semelhante à do início, afirmando, dessa forma, ser ele mesmo também parte da metáfora da beleza secreta da existência, tão presente em seus poemas.

 

* Filme visto na 40ª Mostra de São Paulo

Entre em contato

Assinar