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País Bárbaro, de Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi

23/10/15 às 01:51 Atualizado em 08/10/19 as 20:26
País Bárbaro, de Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi

Como fazer um filme original e extremamente potente apenas com material pré-existente? Vários dos grandes documentaristas se notabilizaram pela pesquisa e pela manipulação cinematograficamente expressiva de materiais de arquivo. A experiente dupla francesa Yervant Gianikian e Angela Ricci Lucchi foi muito além em País Bárbaro.

O período colonial da Itália na Etiópia, na metade da década de 30, rendeu negativos e fotografias que só agora foram remexidos e organizados de maneira que as imagens não apenas contam uma história mas trazem uma reflexão sobre sua própria natureza – questionando implicitamente as condições, os temas e a maneira de olhar ali existentes.

Num trabalho como esse, provavelmente o primeiro desafio é o da prospecção. Debruçar-se sobre um arquivo de imagens, principalmente quando é antigo, requer dedicação rara, paciência, capacidade de contextualizá-las historicamente, achar padrões e estabelecer critérios de seleção. Só assim poderão ser significadas de modo justo e problematizado no presente.

As séries de fotogramas retrata a postura colonial em seus rituais típicos de submissão, como o tratamento hierarquizado, o erotismo nas mulheres colonizadas, os desfiles cívicos laudatórios do Duce, entre outras cerimônias. A concepção do produto fílmico de ordem propagandista, também comum ao nazismo, é forte e desde cedo indica o poder da técnica audiovisual como ferramenta de manipulação, aqui problematizada.

Sequências inteiras, especialmente as iniciais, são apresentadas sem áudio. A indefinição de algumas imagens – os borrões e a dificuldade de reconhecer todos os personagens – funciona, na análise, como parte do pensamento sobre o público e o oculto. Outras sequências trazem um narrador dando sentido ao que está sendo visto e propondo conexões com o presente. E ainda há outras sonorizadas por trilhas simbólicas, ora um batuque africano, ora um piano pungente em afinação instável.

Nota-se, em alguns enquadramentos, padrões de imagens da época. É o caso das fotografias e filmes de massas de pessoas, geralmente clicadas por uma câmera elevada. São cabeças soltas, semelhantes ao quadro Operários, da Tarsila do Amaral. O olhar erótico sobre as mulheres africanas se une às classificações que os italianos e a comitiva de Mussolini davam aos povos colonizados: bígamos, primitivos, bárbaros – está claro que o título do documentário já dá seu tiro irônico: “Quem é o verdadeiro bárbaro?”.

Gianikian e Ricci Lucchi encabeçam, na verdade, uma proposição cívica. Estudar o horror, para eles, tem intuito educativo. Como diz a sinopse oficial do filme, “cada era tem seu fascismo”. O alvo de País Bárbaro, assim, é a Europa atual que, em associações simbólicas e outras mais concretas, ainda repete posturas do passado.

 

Nota: 9,0/10 (Excelente)

* Filme visto na 9ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte

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