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Outras, de Ana Julia Travia

23/01/18 às 15:18 Atualizado em 08/10/19 as 20:24
Outras, de Ana Julia Travia

Sintomas do acúmulo

 

Outras, documentário dirigido por Ana Julia Travia como TCC no curso superior de Audiovisual da ECA-USP, tem em sua própria estrutura traços de um acúmulo histórico a respeito do qual as lentes do cinema carregam certa armadilha: é impossível dar conta de jogar luz por completo sobre todas as formas e manifestações de processos históricos de seu próprio tempo.

A estrutura do curta paulista traz como linha inicial o interior de famílias brasileiras inter-raciais (em geral com mães brancas e pais negros) e os traumas causados por gestos de racismo na vivência de suas filhas negras. Essa premissa então abre novas linhas em raiz para mostrar os efeitos desses traumas quando essas jovens são levadas pela vida aos confrontos públicos diários.

O trajeto que a câmera faz nos primeiros momentos organiza alguns relatos em off, e até aqui uma impressão fica em relevo: parece haver uma cisão entre a natureza dos relatos e a das imagens, alguma tensão germinada. A voz é de uma jovem negra, a imagem é de uma mulher mais velha e branca. Essa cisão se confirma mais a frente quando, junto da inserção de uma tela preta, o relato de uma jovem diz: “você sempre será minha mãe, e eu sempre serei negra.” O capítulo do trauma se fecha.

Chegamos então ao segundo ato do filme, e a partir deste momento a profusão de imagens prevalecerá, como se aqueles relatos íntimos se deparassem pela primeira vez com lugares e contextos (a universidade, a luta por cotas na USP, a irmanação feminista) que os ecoam, de um modo ou de outro.

Nesse ímpeto o filme parece por vezes até mesmo se perder na contingência de suas imagens. Talvez fosse mais substancial ao filme retirar deste segundo ato os relatos e mergulhar de cabeça na energia das imagens, porque não apenas as imagens manteriam sua força, mas desdobrariam ainda os sentidos dos relatos iniciais, numa relação em que urgência retórica (da fala, do grito, do relato direto) e estética (há uma rápida e forte sequência com uma gravura de Nina Simone) se tornariam uma coisa só.

Outras figura numa leva de filmes feitos por jovens cineastas, negras e negros, sobretudo, egressos de universidades e que se arriscam na tentativa de dar conta das tensões, demandas e perspectivas de seu próprio tempo, assumindo nesse movimento de retomada histórica a responsabilidade de se perderem e se encontrarem em seus próprios caminhos. Com limitações técnicas, com a vacilação de quem tateia na câmera as próprias cicatrizes, mas também com uma frontalidade enfática, em relação ao filme de Ana Julia Travia ficam duas certezas: estes filmes sozinhos nunca darão conta de dizer tudo; por isso é preciso que estes novos filmes sejam sempre possíveis.

 

Leia também: 

>>> Entrevista com Ana Julia Travia

 

*Filme visto na 21ª Mostra de Tiradentes

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