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Obra, de Gregório Graziosi

28/01/15 às 09:20 Atualizado em 08/10/19 as 20:28
Obra, de Gregório Graziosi

No cinema brasileiro recente, a preocupação com a verticalização das cidades e a privatização do espaço público foi notada principalmente em filmes pernambucanos. Já em São Paulo, símbolo maior, no Brasil, do crescimento urbano mal planejado, o cinema não costuma se voltar tanto a esta questão. Com Obra, primeiro longa-metragem de Gregório Graziosi, o diretor minimiza essa ausência ao criar um trabalho extremamente autoral, que trata do tema de maneira original em forma e conteúdo.

Uma primeira escolha a se notar é a presença de Irandhir Santos como protagonista. Excepcional ator, ele vem trabalhando em muitos filmes nos últimos tempos, o que sempre acarreta a possibilidade de repetição e a entrada em um indesejado piloto automático – algo que, em grau bem maior, acontece com Ricardo Darín no cinema argentino. No filme de Graziosi, porém, Irandhir enfrenta um novo desafio ao interpretar João Carlos, um calado arquiteto paulista, em um trabalho que não preza pelo naturalismo e no qual as atuações combinam com sua estética peculiar.

Fotografado em um rigoroso preto e branco, com planos quase sempre estáticos e bem enquadrados, o filme começa com um plano aberto de uma São Paulo poluída que adquire um tom fantasmagórico graças ao ótimo trabalho de desenho de som, que mistura diversos ruídos urbanos. A ação então se volta para o centro do espaço urbano, onde o protagonista vive enclausurado graças à arquitetura da cidade, na qual a vista de uma janela dá para outros prédios e até uma atividade de corrida é desempenhada dentro de um edifício, em uma pista artificial.

O filme busca saber, então, qual seria o lugar do passado em meio a toda essa modernidade. Esse é o drama do protagonista ao descobrir que em uma das construções sob sua responsabilidade, ocorrida no terreno da família, há um cemitério clandestino. Cria-se aí um antagonismo entre o arquiteto e o mestre de obras (Júlio Andrade), mas o conflito que mais interessa é aquele enfrentado internamente pelo personagem de Irandhir.

A direção de Gregorio Graziosi é muito hábil ao criar várias camadas de conflitos sem ter que expô-los através dos diálogos. Logo no início, uma projeção de um prédio implodindo enquanto João Carlos dá uma palestra sugere o abalo interno que ele irá enfrentar; da mesma forma, o problema de coluna enfrentado pelo protagonista o transforma em um “homem-prédio”, verticalizado e com problemas de estrutura (no caso, familiar); em outro momento, o olhar do topo para a base de uma maquete sugere o passado que podemos esconder, mas que de uma hora para outra pode vir à tona e influenciar o presente, o topo da construção.

Há ainda a história de João Carlos com a mulher inglesa que está esperando um filho dele, algo que cria uma expectativa de futuro no personagem que está intimamente relacionada à busca pelo seu passado.

Obra é um filme que cria uma atmosfera muito própria e que consegue sustentá-la até o final sem cair em um formalismo vazio. Arquitetura, som, passado e presente se tornam indissociáveis no trabalho, que não deixa de acenar para um futuro mais leve e menos doloroso.

Nota: 8,0/10 (Ótimo)

 

*Filme visto na 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes

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