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O Mundo de Amanhã, de Don Hertzfeldt

24/08/15 às 18:58 Atualizado em 08/10/19 as 20:27
O Mundo de Amanhã, de Don Hertzfeldt

É fácil reconhecer os curta-metragens do animador americano Don Hertzfeldt. Seu estilo com design de personagens-palito e histórias simples foi por muitas vezes celebrado nos maiores festivais do mundo, incluindo Cannes, além dos prêmios Oscar. O Mundo de Amanhã não foge à regra: recebeu prêmios em Sundance e Annecy, angariados principalmente pelas categorias de escolha pelo público. Porém, por mais que seus personagens-palito estejam mais reconhecíveis e paranoicos que nunca, este seu novo filme está longe de ter uma história simples.

Valendo-se do traço a lápis característico e das formas geométricas simples no papel, Don consegue erguer uma narrativa muito elaborada usando os artifícios de um trabalho sonoro complexo e elegante. A história desconstrói a vida de Emily, uma pequena menina curiosa que atende ao chamado em uma máquina piscante cheia de botões para apertar. A partir daí, depara-se com si mesma; na verdade, com sua própria consciência digitalizada, carregada no corpo de um clone. Este, que mostra sinais de deterioração pela terceira vez em que sua consciência é carregada em um corpo diferente, leva a pequena menina numa viagem para um futuro distópico, com o intuito de dividir memórias há muito perdidas nos fluxos de dados.

Nesse futuro, uma tendência obsessiva pela preservação da consciência humana, relacionada ao armazenamento de dados desenfreado, permite façanhas como a visualização e manipulação de memórias. Enquanto uns mais abastados fazem upload dos patriarcas e matriarcas de família em cubos de consciência, as classes inferiores têm o rosto do ente falecido enxertado num autômato débil e repetitivo, só para ter o gostinho da sua presença.

Além da genialidade na ironia patética desse mundo excessivamente distópico, os temas pesados são apaziguados pelo estilo do desenho: o conflito entre a simplicidade do lápis e o que se espera de uma ficção que recicla quase todos os temas sci-fi dos últimos anos torna extremamente palatável a realidade na qual clones com consciências humanas degeneradas apaixonam-se por rochas e recebem poesias depressivas de robôs abandonados.

Expandindo e jogando com o repertório do espectador, a animação de Don Hertzfeldt aprimora suas relações com o público mais do que nunca. Seu trabalho é sempre um evento na tela, que, dotado de um timing cômico único, parece sempre criar expectativa para a próxima ideia (ou para o escalonamento de uma mesma ideia) acionada pelos desenhos deliberadamente simplificados. Até mesmo a renovação do traço de um personagem em posição estática possui uma narrativa própria e não esconde para quem assiste a forma básica do desenho e da narrativa do filme. São recursos bem explorados em alguns de seus outros filmes como Dente do Siso (Wisdom Teeth, 2010) e O Sentido da Vida (The Meaning of Life, 2005).

Parece nunca ser sua intenção criar ambientes envolventes e tecnicamente imersivos. Sua obra é tão singular porque captura o espectador depois de distanciar-se deste na medida certa, efeito causado pelas suas figuras-palito e a ironia das suas existências. Assim, em O Mundo de Amanhã ele resgata sua habilidade de desconstrução da imagem para provocar humor com um tema que prova ser extremamente propício para isso. A onipresença de uma outernet do futuro, que seria uma versão “exterior” da nossa internet, materializa-se através de linhas e círculos que se repetem no cenário. Enquanto no futuro essas figuras são vistas como portais e janelas para outros tempos, é fácil identificar-se com a pequena Emily que os reconhece como linhas e círculos.

O Mundo de Amanhã é, além de uma viagem pelas especulações e incertezas científicas do homem, uma introdução às questões contemporâneas para a criança, sem medir palavras ou subestimar sua compreensão. Para além de provocar humor através da desconstrução da própria forma e imagem da animação, o filme coloca sua premissa distópica em lugares bem reconhecíveis para o repertório de uma audiência contemporânea, fazendo suas absurdas convergências de linhas e círculos perfeitamente compreensíveis para todas as idades.

Nota: 10/10 (Excelente)

 

Sessão de O Mundo de Amanhã no 26º Festival Internacional de Curtas de São Paulo:

– 24/8 – Segunda – 21h – Espaço Itaú de Cinema

 

>>> Acompanhe a cobertura do 26º Festival Internacional de Curtas de São Paulo

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