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O Conto da Princesa Kaguya, de Isao Takahata

16/07/15 às 03:04 Atualizado em 08/10/19 as 20:28
O Conto da Princesa Kaguya, de Isao Takahata

Em matéria de imaginação e sensibilidade, o cinema deve as melhores honrarias ao Studio Ghibli, estúdio japonês que tem entre seus fundadores o celebrado diretor Hayao Miyazaki. Mestres da animação 2D, estes magníficos contadores de história usaram o minimalismo pictórico de traços orientais para erguer um cinema de vocação fabular que encantou o ocidente. As narrativas, geralmente em movimento circular, direcionaram seus símbolos aos dípticos nascimento e morte, chegada e partida, natureza e civilização. Tratar assuntos sérios de uma maneira lírica é uma marca do estúdio, correspondida em alto nível por seu último título: O Conto da Princesa Kaguya, de Isao Takahata.

O roteiro evoca uma narrativa japonesa do século X, em que um cortador de bambus se depara com um broto fluorescente e descobre haver dentro dele uma pequena menina. O camponês e sua esposa a adotam e logo se espantam com a rapidez de crescimento da criança, especial em sua beleza, ternura e alegria. Aos poucos, o longa vai se revelando uma trama de maturação virtuosa, dedicando tratamento fino a cada uma das camadas da vida de Kaguya: a infância campesina, a atmosfera de amor e carinho com os pais e com os amigos, a mudança para a cidade, a tentativa do pai de casá-la com algum membro da aristocracia, entre outros conflitos.

Isao Takahata é um legítimo fantasista. Crente na imaginação como elemento nuclear da obra, preocupa-se, primordialmente, em inebriar o olhar de quem assiste. Na composição das imagens, as nuances de branco ocupam a tela para valorizar os tons pastel e as inúmeras temperaturas de cor que se vê ao longo dos quadros, pintados à moda da aquarela. A espessura e dinâmica do traço são escalonáveis e dão riqueza e variedade à estética: pode-se desenhar um quadro meticuloso e detalhista de uma paisagem bucólica tanto quanto o traçado pode se tornar violento, borrado, aflitivo, especulando movimento e velocidade, como na estupenda cena em que Kaguya foge do palácio e adentra a floresta correndo.

Os filmes do Studio Ghibli e as melhores obras da Pixar, por exemplo, escancaram o quão fértil é sustentar, durante décadas, uma mesma equipe de animadores e diretores. Sob valores artísticos soberanos, talentos despontam, vivenciam uma coletividade criativa e  florescem. Em O Conto da Princesa Kaguya, é imperativo destacar o trabalho do diretor de arte Kazuo Oga – que trabalhou com Miyazaki em Castelo Animado (2004) e Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar (2008) – e do compositor Joe Hisaishi – responsável pelas trilhas de Princesa Monoke (1997) e A Viagem de Chihiro (2001) -, que aqui faz mágica com o uso da escala pentatônica e dos modalismos orientais nas melodias da trilha.

Toda a desenvoltura artística vem a serviço da complexidade sentimental que habita em Kaguya, uma protagonista tão forte quanto Chihiro e outros personagens de Miyazaki. A alegria que a contagiava quando criança se anuvia com o tempo e com a mudança de ambiente. A cidade a angustia e a insistência do pai em inseri-la na nobreza local a irrita. Mas, além disso, os ares melancólicos que dominam o filme do segundo ato em diante lembram que o conflito de Kaguya é maior: no fundo, todos sabemos, ela não pertence a esse mundo.

Como em obras anteriores do Studio Ghibli, as alegorias desaguam em camadas diversas, mas todas parecem apontar para a questão da identidade – quem somos e qual é nosso lugar? No caso de Kaguya, Takahata e a milenar lenda japonesa darão a resposta por meio de um clímax espetacular.

Nota: 10/10 (Excelente)

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