facebook instagram twitter search menu youtube envelope share-alt bubble chevron-down chevron-up link close dots right left arrow-down whatsapp back

Marias, de Yasmim Dias

01/06/18 às 19:12 Atualizado em 08/10/19 as 20:24
Marias, de Yasmim Dias

“Eis um problema recorrente no documentário contemporâneo: confiar que basta tema relevante ou personagem interessante para realizar bom filme.” Pego emprestado esse trecho de um texto da crítica Camila Vieira para falar sobre o curta-metragem Marias, dirigido por Yasmim Dias, que foi exibido na noite de abertura do XXII Cine PE.

O filme do Rio de Janeiro se insere em uma leva recente de produções que tratam de questões relacionadas aos diversos níveis de assédio e violência contra a mulher. Destaco aqui três delas: Quem Matou Eloá?, de Livia Perez; Precisamos Falar do Assédio, de Paula Sacchetta; e Elegia de um Crime, de Cristiano Burlan – este último, embora dirigido por um homem e com temática que destoa dos demais, reflete sobre a relação de um filho (o diretor) com o assassinato de sua mãe. O diálogo desses trabalhos com o curta de Yasmim pode elucidar algumas discussões a partir das escolhas feitas para retratar questões semelhantes.

Marias possui como foco a história de cinco mulheres vítimas de relacionamentos abusivos. Uma delas, a mãe da diretora, foi assassinada pelo próprio parceiro, e tem sua trajetória contada por Yasmim.

Uma primeira aproximação possível de ser feita entre os filmes citados se dá com relação ao modo como a mídia sensacionalista é retratada pelas diretoras. Em Quem Matou Eloá?, a partir dos depoimentos de mulheres que analisam as imagens da cobertura do sequestro de Santo André, fica claro o papel da imprensa como partícipe da cultura de violência contra a mulher.

Já em Marias esse ponto é mal resolvido, visto que as imagens de televisão aparecem em apenas dois momentos (no início, com os tweets do programa Cidade Alerta; e mais à frente, com a chamada para a notícia do assassinato da mãe de Yasmim). Instada a falar sobre o assunto no debate no Cine PE, a diretora apontou seu desconforto com a cobertura realizada pela TV, mas a questão é que isso nunca surge articulado como discurso da montagem, correndo-se o risco de naturalizar aquelas imagens.

Algo semelhante se dá com as inserções ficcionais de mulheres com marcas que simulam o resultado de agressões. Filmadas em preto e branco, estas cenas ficam entre a denúncia e a estetização da violência.

O mesmo incômodo com o modo com o qual a imprensa sensacionalista relata o assassinato de uma mãe está exposto no mais recente documentário de Cristiano Burlan já no off inicial. Ali é possível ver um terceiro modo de se relacionar com essas imagens violentas. Cristiano encontra a repórter que fez a cobertura do crime e a utiliza como meio para tentar encontrar o assassino que está foragido. Desta maneira, embora de uma forma arriscada e com complexidade ética, o diretor tenta ressignificar o sentimento que aquelas imagens televisivas lhe causaram.

Outro ponto interessante a se retirar do cotejo entre esses filmes se dá com relação à maneira como eles lidam com uma ideia de didatismo. É comum aos trabalhos de Yasmim, Livia e Paula o desejo de jogar luz sobre o tema da violência contra a mulher com vistas a obter algum nível de conscientização do público sobre o problema.

Quem Matou Eloá? parte do micro para o macro, ou seja, do assassinato de Eloá para chegar na questão do feminicídio, e isso se dá através do depoimento de pessoas (majoritariamente mulheres) que analisam as imagens da mídia, obtendo um efeito, como pontuou o crítico Heitor Augusto, de “negar para a gente o gozo, o orgasmo com a catarse daquelas imagens”.

Em Marias nota-se uma necessidade de colocação de muitos letreiros que pontuam a narrativa do filme trazendo dados sobre o tema. É como se o filme precisasse provar por diversas vezes a gravidade daquela situação, como se as entrevistas e imagens de arquivo fossem insuficientes.

Exemplo que vai de encontro a essa postura é o longa-metragem Precisamos Falar do Assédio, de Paula Sacchetta. Ali não há letreiros com estatísticas nem entrevistas no sentido tradicional, já que as mulheres que participaram do filme entram sozinhas em uma van para darem os seus depoimentos. Sem o uso de imagens de arquivo e sem mexer uma vez no posicionamento da câmera, o filme é também didático, mas de um modo muito mais complexo. As recorrências que unem os depoimentos (como os abusos cometidos por pessoas próximas, a dificuldade para denunciar, a tendência da sociedade a culpar a vítima, etc.) apontam para um quadro estatístico sem a necessidade de se mostrar nada além dos depoimentos daquelas mulheres.

É o oposto do que ocorre com Marias, filme cuja legitimação por premissa temática é incapaz de esconder seus problemas de articulação discursiva a respeito do tema.

 

*Filme visto no XXII Cine PE

Entre em contato

Assinar

Siga no Cine Festivais