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Dois Dias, Uma Noite, de Jean-Pierre e Luc Dardenne

18/10/14 às 05:44 Atualizado em 08/10/19 as 20:28
Dois Dias, Uma Noite, de Jean-Pierre e Luc Dardenne

Em 1999, os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne levaram à Cannes a história de uma jovem disposta a fazer o que fosse para ter um emprego e conseguir se sustentar. A Palma de Ouro para Rosetta elevaria os dois diretores à condição de representantes de um cinema humanista, com vigor crítico e feição naturalista. 15 anos depois, a talentosa dupla volta ao tema, explorando as crises e contradições do sistema, mas agora em outra estação: com uma unidade de tempo reduzida, senso de urgência e fisionomia iluminada, quase otimista, semelhante ao aspecto de O Garoto da Bicicleta, último trabalho dos Dardenne.

Quem assiste a Dois Dias, Uma Noite já entra no meio do furacão. É sexta-feira, Sandra (Marion Cotillard) recebe uma ligação e fica sabendo que foi demitida. Seus colegas de trabalho optaram por receber um bônus de mil euros, mas isso só seria possível se alguém – Sandra – fosse demitido. Juliette (Catherine Salée), sua fiel amiga, apela para o dono da empresa e consegue que seja realizado um novo pleito na segunda-feira. Então, Sandra terá o fim de semana para ir atrás de cada um de seus colegas, procurando reverter a votação (14 a 2) a seu favor.

O filme traz o melhor do cinema dos Dardenne: a aguda sensibilidade da câmera móvel, o realismo social desprovido de maniqueísmo, a projeção de um conflito pessoal como alegoria de uma crise maior e o emaranhado de sutilezas na construção da trama e dos personagens. Mas Dois Dias, Uma Noite possui duas forças motrizes que merecem destaque especial.

A primeira é o poder e originalidade da situação. Sandra é uma mulher fragilizada, que tinha acabado de se submeter a um tratamento para depressão. O desafio a que se propõe não é exatamente uma guinada inabalável de autodeterminação. Ela fraqueja, deixa que o desespero tome conta, pensa em desistir. Mas, com a ajuda de seu carinhoso marido Manu (Fabrizio Rongione), continua sua trilha, que acompanhamos numa narrativa que enxuga elementos e cuja ética reside na repetição: o bater de porta em porta e o reiterar de um pedido dessa espécie são humilhantes. Na visita de Sandra aos colegas, há quem olhe no olho e há quem fuja, há os que negam com alguma razão (precisam do bônus) e os que realmente não se importam, os que se compadecem e os que a agridem.

Mais do que construir um amálgama de variados comportamentos éticos, a potência da situação nos faz observar o que as pessoas consideram ao tomar uma decisão moral desse tipo. Certamente contam o foro íntimo, a urgência da necessidade e elementos que encenam a oposição indivíduo x sociedade, tão bem traduzida nesse caso.

Marion Cotillard, atuação soberana

Marion Cotillard, atuação soberana

O segundo grande brilho do longa é o erguer da musa, aqui representada por uma atriz incontestável. Já ouvimos cineastas se referirem a atores e atrizes que julgam carismáticos como “aqueles de quem a câmera gosta”. Nesse aspecto, alguns rostos se tornam conquistadores por motivos que vão do puro fetiche à desenvoltura cênica. Vestindo a camisa intensa do cinema dos Dardenne, Marion Cotillard está em todas as cenas de Dois Dias, Uma Noite. Submeteu-se à consagrada bateria de ensaios que a dupla realiza para chegar ao tom dos personagens – desenhando gestos, olhares e expressões – e construiu uma protagonista magnética, que nos envolve em seu drama desde cedo, no que talvez seja seu melhor desempenho desde Piaf – Um Hino ao Amor.

“A solidariedade é uma espécie de compromisso moral”. A fala de Luc Dardenne em entrevista sobre o filme sintetiza a qualidade da tensão que iremos acompanhar durante o périplo de Sandra. Quem irá se comprometer a ajudá-la? Em quem ela pode confiar? As respostas não devem criar inimigos, mas nos farão refletir sobre nossos próprios valores em um dos mais belos ensaios sobre dignidade que o cinema já realizou.

Nota: 9,0/10 (Excelente)

 

Sessões do filme na 38ª Mostra de São Paulo

– 18/10, às 18h15, no Cinesesc

– 23/10, às 21h45, no Cine Livraria Cultura – Sala 1

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