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Demônios de Virgínia, de Gabriela Richter Lamas

29/08/17 às 11:37 Atualizado em 08/10/19 as 20:25
Demônios de Virgínia, de Gabriela Richter Lamas

Texto de Adriana Gaeta Braga, do Crítica Curta*

 

Baseado na obra de Augusto dos Anjos e imageticamente impregnado por esse autor, a produção gaúcha Demônios de Virgínia, dirigida por Gabriela Richter Lamas, é antes de tudo visceral. Como na obra do autor, estamos falando de uma protagonista Virgínia (interpretada por Martha Grill) que se encontra no limite da existência. Atriz, transita entre a superficialidade e o vazio dos anúncios publicitários, onde o sorriso é mais um prenúncio de venda, e de uma sociedade calçada no vazio de um consumo fácil, e de seus sonhos como artista.

O sorriso de propaganda de óculos revela mais do que suspeita: nos mostra uma existência em que nada dialoga com a nossa realidade interna, estampa de nosso desespero. Para mergulhar em sua essência, a protagonista se refugia no teatro, onde faz espetáculos que tem pouca ou nenhuma empatia e compreensão do público.

Nessa falta de diálogo entre “o que eu verdadeiramente sou” e o “como vocês me enxergam”, Demônios de Virgínia caminha por vias carregadas de solidão e de desilusões. Como na obra de Augusto dos Anjos, exemplificada pelo poema “O Lázaro da Pátria”, é o corpo da atriz-personagem que sangra as chagas de um renascer para um destino desconhecido, e a dor que disso oriunda é só nossa, indiferente à plateia/mundo que nos circunda.

 

“Filho podre de antigos Goitacases,

Em qualquer parte onde a cabeça ponha,

Deixa circunferências de peçonha,

Marcas oriundas de úlceras e antrazes.

Todos os cinocéfalos vorazes

Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha,

Sente no tórax a pressão medonha

Do bruto embate férreo das tenazes

Mostra aos montes e aos rígidos rochedos

A hedionda elefantíase dos dedos…

Há um cansaço no Cosmos… Anoitece.

Riem as meretrizes no Cassino,

E o Lázaro caminha em seu destino

Para um fim que ele mesmo desconhece!”

 

O corpo da atriz é devassado por uma câmera que escolhe planos incômodos, invasivos. As angulações causam estranhamento. O inesperado também está presente na ação, por vezes lembrando a imprevisibilidade de um documentário.

De maneira análoga ao poeta Augusto dos Anjos em sua obra “Psicologia de um Vencido”, a câmera busca dissecar a persona/personagem e mostrar os “vermes da alma”, o feio, o anti-herói, fazendo um registro da ruína da alma da protagonista.

É um filme excelente, mas que explode em potência pela força da atriz Martha Grill. Em um importante bate-papo, após a sessão, a diretora revelou que ela está em um concurso de baristas, e que havia desistido da profissão de atriz.

Lembro-me da atriz Renée Jeanne Falconetti, intérprete de Joana D’arc no impactante A Paixão de Joana D’arc, de Carl Theodor Dreyer. A atriz impressionou a equipe técnica de tal maneira que era chamada pelo nome da personagem o tempo todo no set. Após o filme, contudo, a atriz desistiu de atuar. Torço para que Martha Grill, mesmo lançada na fogueira que toda carreira artística nos coloca, possa ressurgir das chamas em estado de graça.

 

Demônios de Virgínia está na Mostra Brasil 6. Clique aqui e veja a programação do filme no 28º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo.

 

*Crítica Curta é um projeto da Associação Cultural Kinoforum que acontece anualmente no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. Desde 2005, o projeto convida estudantes de escolas de audiovisual parceiras do Festival para refletir sobre o curta-metragem e escrever a respeito. Os alunos assistem aos filmes do festival e produzem textos críticos, sob orientação do crítico de cinema Sérgio Rizzo.

Em parceria com a 28ª edição do evento, o Cine Festivais publica alguns dos textos produzidos pelo Crítica Curta. Para saber mais sobre o projeto e ler todos os textos produzidos, acesse a sua página oficial.

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