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12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen

22/02/14 às 15:36 Atualizado em 08/10/19 as 20:29
12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen

É longa a lista de filmes que, ao tratarem sobre escravidão, recorreram a romantizações, heróis caucasianos, estetizações diversas, focos na contextualização político-econômica do período, entre outras abordagens. Nada disso interessa muito a Steve McQueen. É como se, para o diretor britânico, estruturar um filme sobre a escravidão a partir dessas questões – ou até mesmo dar muito espaço a elas – fosse, de certa forma, negar a realidade do que aconteceu, dissimular o horror, recusar-se a enfrentar o surto de violência enquanto principal característica concreta da escravidão.

Historicamente, então, o protagonismo da violência em 12 Anos de Escravidão já é importante por si só. Mas a obra só ganharia real valor cinematográfico nas mãos de um esteta que recriasse com vigor as chocantes cenas de brutalidade. É nesse aspecto que cresce a figura de Steve McQueen, um diretor com fé inabalável no poder das imagens. Seu cinema é sóbrio, mas recorta espaço e tempo à sua maneira em planos longos, muitos com a câmera parada, e cenas com a duração suficiente para que a violência retratada se torne realmente incômoda a quem assiste.

Em 12 Anos de Escravidão, as qualidades formais de McQueen servem à história verídica (roteirizada por John Ridley) de Solomon Northup (Chiwetel Elijofor), um negro livre, culto e violinista, vivendo em Nova York, em 1841, anos antes da abolição da escravatura. Após uma apresentação musical em Washington, a quadras da Casa Branca, Solomon é sequestrado e levado ao sul escravagista para ser vendido como escravo. A inusitada premissa apenas apimenta nossa introdução a um mundo que é da ordem do absurdo.

Assim como no caso do holocausto, o mais horripilante da escravidão é o fato de ela ter sido um sistema reconhecido, com seus níveis hierárquicos, estrutura burocrática e ações organizadas. Os atos violentos pontuados em 12 Anos de Escravidão são, portanto, repetitivos, cíclicos. Se a intenção era transmitir um pouco da experiência do que foi uma plantação sulista de algodão nos EUA dessa época (e o filme deixa claro que era), não bastaria apenas uma cena de chicotada. Dessa maneira, o que se vê é a repetição de sequências que mostram a máquina escravocrata (as colheitas de algodão, o rankeamento dos escravos a partir dos resultados obtidos, as instruções dos capatazes para os escravos novos) e a violência incessante (as chicotadas, os estupros, os gritos imperativos). Sobram enquadramentos sugestivos (os vários planos contra-plongée com o céu visto entre as folhas das árvores) e sequências inspiradas (na melhor delas, Solomon é pendurado pelo pescoço em uma árvore e lá fica, enquanto o dia passa).

Chiwetel Elijofor, aliás, traduz a inacreditável trajetória de Solomon em atuação antológica, já premiada com o Bafta e uma das favoritas ao Oscar da categoria. Seu personagem é inteligente, observador, conhece os arranjos que sustentam o esquema e quer achar um escape. Por já ter sido livre e ter uma outra vida – interrompida – em curso, a efusão de sentimentos que se abaterá sobre Solomon é um misto complexo e nefasto. Assim, muito da performance de Elijofor transitará entre a esperança machucada e a angústia do retorno ao inferno, entre a expectativa de voltar para a sua família e o desespero do suplício que acomete a todos os negros escravizados.

Entre eles, Patsey (Lupita Nyong’o) é a dor em pessoa. Torna-se objeto sexual do fazendeiro Edwin Epps (Fassbender) e alvo do ciúme da senhora Epps (Sarah Paulson), empenhada em puní-la cruelmente. A espetacular atriz mexicana Lupita Nyong’o expõe o martírio em diversas gradações de choros, gritos e soluços. Afinal, são as costas nuas dessa comovente personagem as que mais sentirão o impacto direto das sucessivas chicotadas que o cinema nunca mostrou de maneira tão real e intensa.

Há também breves participações de estrelas como Brad Pitt e Paul Giamatti, mas o brilho do elenco de coadjuvantes se ancora mesmo em Fassbender, Paulson, Paul Dano e Benedict Cumberbatch, intérpretes em alta, dos melhores dessa geração.

Nota: 9,0/10 (Excelente)

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