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Corpo Elétrico, de Marcelo Caetano

24/08/17 às 13:48 Atualizado em 08/10/19 as 20:25
Corpo Elétrico, de Marcelo Caetano

O primeiro plano de Corpo Elétrico, longa-metragem de estreia do diretor Marcelo Caetano, mostra o protagonista Elias (Kelner Macêdo) deitado em uma cama junto a um companheiro que só identificamos visualmente devido às pernas entrelaçadas. Até por retratar um personagem mais velho do que os adolescentes de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (Daniel Ribeiro) e Beira-Mar (Márcio Reolon e Felipe Matzembacher), o filme aponta já nesta cena inicial para uma abordagem em que, ao contrário dos trabalhos citados, o trato com a própria sexualidade não é problema. Tal ponto de partida abre espaço para uma narrativa fluida, na qual os conflitos pessoais, embora existam, são diluídos por um olhar cuidadoso para o cotidiano daquelas pessoas.

Se há algum grande conflito no filme, este passa por uma desnaturalização da ideia propagada pelo mundo corporativo de que é possível haver uma separação clara e harmônica entre “vida pessoal” e “vida profissional”. Funcionário de uma fábrica têxtil, Elias ouve do patrão um conselho para não “misturar as coisas”, numa referência à sua relação com outros empregados. Indo de encontro ao pedido, a relação do grupo passa muito menos por um reconhecimento como classe trabalhadora do que pelo simples (e também potente) elo afetivo. Isso fica nítido na cena em que, após fazer hora extra, eles apoiam a reivindicação de uma funcionária para chegar mais tarde no dia seguinte. O que poderia ser simplesmente uma vitória trabalhista é ressignificado no plano seguinte, no qual um longo travelling mostra os personagens indo beber e se divertir de madrugada.

A abordagem sociológica não é totalmente escanteada pelo filme, mas nunca aparece em primeiro plano. A falta de recursos dos personagens não guia suas ações, embora ela esteja visível, por exemplo, no modo como a direção de arte posiciona uma geladeira ao lado de uma estante. Em uma cena em que o enquadramento destaca a proximidade entre uma pequena cozinha e um banheiro, transparece muito mais uma ideia de aproximação afetiva do que de precariedade material.

Se o título do filme poderia sugerir uma proposta de direção “pulsante”, aliada ao uso constante da câmera na mão, o que o trabalho de Marcelo Caetano entrega vai por outro caminho, utilizando muitas vezes planos fixos e quase nunca recorrendo a contraplanos. Explorado já no citado plano inicial, o fora de campo ganha importância ao longo do filme e se refere tanto ao imaginário pessoal (o sonho com o mar, a descrição do encontro com o segurança) quanto a fatos concretos apenas sugeridos (o Natal como ponto de transição entre uma família biológica que o renega e uma família escolhida pela via da amizade).

Entre os personagens coadjuvantes, Welington (Lucas Andrade) e Anderson (Henrique Zanoni) vivenciam os raros momentos de estranhamento entre os amigos, seja num princípio de confusão em um churrasco ou no flagrante de um momento íntimo. Em uma das melhores cenas do filme, um short de futebol usado pelo personagem de Zanoni – objeto símbolo da virilidade heteronormativa – vira peça de vestuário para o colega interpretar a música Marrom Bombom. Em outro momento, Welington anuncia para Elias que largou o emprego para se dedicar aos shows de drag queen.

Em certa medida, o modo como o protagonista aparece no último plano do longa é guiado pela trajetória do amigo, em contraposição à de Anderson: se a intenção é vivenciar o presente e vislumbrar um futuro mais leve, é melhor que o sonho seja livre, aberto às incertezas da natureza, e não preso às amarras de um depósito de tecidos.

 

*Filme visto na 11ª CineBH

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