No gênero documental, o fato de o personagem ser real e, muitas vezes, conhecido por quem assiste, implica por si só em uma empatia com a narrativa, independentemente do nível estético e técnico do filme. Isso permite que documentários puramente informativos tenham boa aceitação pelo público, algo que se adequa bem à veiculação na internet ou na televisão. O documentário exibido nos cinemas, por outro lado, oferece em seu impactante suporte a chance de criar algo a mais, fazendo com que o trunfo seja realmente a forma como se documenta uma história, e não somente seu conteúdo.
Cássia, novo filme de Paulo Henrique Fontenelle, infelizmente não consegue atingir esse ponto. Diretor dos premiados Mauro Shampoo, Loki e Dossiê Jango, o carioca se coloca novamente no tema da música brasileira e, após quatro anos de produção, apresenta o primeiro longa-metragem feito em homenagem à cantora Cássia Eller. O tempo de preparo parece ter sido eficiente para uma boa seleção de materiais de arquivo e inéditos que, talvez por impressionarem por sua grande sensibilidade, não receberam um tratamento tão criativo no momento da montagem.
Existe uma aparente necessidade no filme de relacionar o conteúdo exato do áudio, composto em geral por depoimentos de amigos da cantora, com a imagem apresentada. Principalmente na primeira parte, em que são abordados o início de carreira e temas mais subjetivos, são introduzidas fotografias e notícias da cantora nos espaços que intercalam os padronizados planos dos entrevistados, já que não existem vídeos que preencham exatamente o conteúdo das falas. Na busca por valorizar as imagens estáticas, excessivos movimentos de câmera e efeitos de colorização são aplicados, mas acabam por incomodar, uma vez que não acrescentam nada útil à percepção das imagens. A impressão é que tais trechos não passam de um remendo imagético, algo que poderia ser evitado por uma montagem mais solta, permitindo o uso de imagens não tão subordinadas ao áudio, o que sugeriria a criação de novos significados aos materiais de arquivo.
Apesar da falha estética, Cássia tem uma ótima seleção de material, servindo como canal para que o espectador se aproxime muito da pessoa tímida e amada por trás da cantora explosiva dos palcos. A abordagem de temas polêmicos como seus relacionamentos, o uso de drogas e a inesperada morte é feita sempre de forma sensível e nem um pouco agressiva, apresentando seus eventuais “defeitos” como características que faziam parte da mulher excêntrica que foi, sem que a tornassem menos apaixonante.
Como proposto pelo filme desde o início, o objetivo de mostrar a alma por trás da artista é atingido, levando aos espectadores e aos próprios realizadores algo como a descoberta – e a saudade – de uma grande amiga. É inegável, porém, que o mérito disso se dá principalmente à própria Cássia, uma vez que o filme pouco constrói com o que é exibido nos vídeos, se aproximando mais do comum documentário informativo.
Nota: 5,5/10,0 (Regular)
Sessões na 38ª Mostra de São Paulo
– 29/10, às 21h50, no Cine Sabesp
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