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Através, de André Michiles, Diogo Martins e Fábio Bardella

05/08/15 às 03:52 Atualizado em 08/10/19 as 20:28
Através, de André Michiles, Diogo Martins e Fábio Bardella

Nos últimos anos, dois longas que tinham Cuba como tema me conquistaram. Um deles é Chico & Rita, de Fernando Trueba e Javier Mariscal, uma animação espanhol em 2D contemplando a Cuba pré-revolução como pano de fundo para o romance entre um pianista de jazz e uma estonteante cantora. O outro é o maravilhoso Retorno a Ítaca, de Laurent Cantet, que evoca a Cuba narrada por amigos que se encontram em um terraço para receber um companheiro que acaba de voltar do exílio.

Fazer um filme sobre Cuba, hoje, é encarar a expectativa de que a recepção da obra será nublada pela polaridade política imperante na esfera pública. A aparente necessidade de se catalogar uma abordagem como anti ou pró  governo cubano interessa mais às torcidas organizadas do que aos apreciadores do bom cinema, mas a disputa geralmente se impõe e o perigo é ela se tornar maior que o filme. Através, dos brasileiros André Michiles, Diogo Martins e Fábio Bardella, tenta ao máximo fugir da rinha e me parece que consegue, com apuro e potências diversas.

Entre 2012 e 2013, Raul Castro revogou a lei da “Carta Branca” e permitiu que os cubanos viajassem ao exterior sem pedir autorização ao governo. Nesse contexto, Cintia (Cinthia Paredes) deve decidir se vai aos Estados Unidos encontrar o namorado e amigos que já estão lá ou se fica na ilha. Resolve viajar pelo território cubano, rumo a Cienfuegos, onde moram seus avós (vividos pelos avós verdadeiros da atriz).

O que se vê a partir de então é um road movie esperto, com tom documental e conduzido por personagens da vida real. Desde Havana, a Cuba que se mostra é a Cuba das ruas. Problemático, nitidamente desprovido de melhores condições estruturais, o espaço público é o lugar do encontro, é onde as coisas acontecem. Havana, em especial, tem o mix de charme e decadência endossado pela câmera, que valoriza as cores e formas da arquitetura que modelou a cidade nos anos 50. Mas todos os lugares mostrados são ocupados com naturalidade pelo cubano, redimensionando o conflito público x privado, que, em outras cidades, não raro têm outra conotação. Do jeito dela, a calle cubana é vívida.

Cintia traz o melhor dos grandes personagens andarilhos do cinema: está verdadeiramente interessada pelo que está a sua volta. Fala, vivencia a viagem, sente as dores e os prazeres. Mas também olha, ouve o outro. É uma autêntica colhedora de visões, politizadas ou não, sobre seu país. A qualidade dessa amostragem é exibir falas genuínas de quem julga a situação do país a partir de sua própria experiência, os discursos pendem mais ou menos para espectros ideológicos, mas jamais soam artificiais.

Acredito muito que alcançamos a consciência crítica quando entendemos que o mundo não é preto nem branco: a colorimetria da vida é nuançada. Para um filme com alguma pretensão documental, essa perspectiva pode ser crucial. E Cíntia é uma boa personagem porque transparece várias matizes. Seu percurso, hesitante e reflexivo, a coloca acima da caricatura e convoca nosso olhar ao desafio de pensar Cuba em profundidade. Desalojar as certezas é um mérito e, para muitos, uma missão da obra de arte.

Nota: 8,0/10 (Ótimo)

 

Sessões de Através no Festival de Cinema Latino-Americano:

– 5 de agosto – Cinusp – Cidade Universitária – 16h

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