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Abissal, de Arthur Leite

30/08/16 às 13:48 Atualizado em 08/10/19 as 20:26
Abissal, de Arthur Leite

O curta de Arthur Leite explora territórios profundos de uma genealogia da qual o próprio cineasta faz parte. Para isso, ele cede voz, corpo e alma para modelar uma memória familiar íntima, mas incompleta. É na escavação desses territórios obscuros que o filme estuda a figura de vovó Rosa Alvina, e suas perambulações pela lembrança disponível de seu ausente ex-marido.

Mergulhado na busca pela pessoa de seu avô, Arthur descreve logo de início como o eixo do filme transpôs-se para a personagem complexa de Rosa Alvina e para si mesmo. Por vias de imagem e narração, a imersiva procura entre os grãos de fotos antigas poderia distrair da verdadeira matriz do filme.

De certa forma, o curta postula sobre a predileção pela imagem do homem-motriz, clássica dos documentários de busca, e parte para uma abordagem inversa, investigando o esquecimento dessa imagem por parte dos seus supostos “personagens de apoio”. Estes, por sua vez, não só são explorados mais a fundo, como carregam consigo o eixo do protagonismo, transportando a narrativa de Abissal para um patamar mais complexo.

Essa viagem é frequentemente manobrada por um calhamaço de documentos guardados em uma caixa típica de uma época distante. São esses os papéis que dizem provar o relacionamento e a traição que acometeram Rosa Alvina, ao mesmo tempo que seus certificados parecem lacear a necessidade de uma memória forte, criando até identidades flutuantes para ela. Com visão, o cineasta reconhece o potencial transformador do resgate de seu documentário, fazendo da gravação de Abissal um evento que altera condições da própria vida e família de Arthur.

A voz do documentário, então, concentra-se no sujeito que entrega o discurso. Na sua curiosidade pela situação de entrevista e logo no interesse que dissipa, na medida em que os interlocutores mergulham mais a fundo na lembrança. Registrar um filme ganha grande importância para todos os seus personagens, por mais que não pareça impedir que enterrem-se mais lágrimas na pele do rosto, regando a memória com mágoa. Assim, enquanto explora-se o desconhecido, os jogos de luz ficam mais intensos e a fotografia, mais barroca.

Abissal tateia lugares profundos da lembrança pessoal, como vestígios ambíguos que correm pelas pessoas que vemos na tela. O filme olha diretamente para a escuridão do abismo refletido naqueles que estiveram lá, lugares há muito tempo intocados por motivos que nunca saberemos. Arthur Leite corajosamente faz da sua própria experiência uma visão singular, atestando a importância do processo autorreflexivo do documentário e da nossa própria maneira de cultivar memórias.

 

Sessões de Abissal no 27º Festival Internacional de Curtas de São Paulo:

– 30/8 – Terça – 21h – Museu da Imagem e do Som

– 31/8 – Quarta – 17h30 – CineSesc

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