A China do século XXI pode muito bem ser resumida pelo crescimento econômico dos últimos anos, responsável pela industrialização forçada de suas cidades, cada vez mais populosas e poluídas. De 2011 a 2013, o país usou mais cimento na construção civil do que os Estados Unidos em todo o século XX. É o resultado de sua política “comunista de capital”, que a transformou em um monstro faminto por consumo.
Em A Menina dos Campos de Arroz, a diretora Xiaoling Zhu mostra uma outra China: a da tradição rural milenar, dos arrozais em meio a vilas cravadas nas montanhas. O contraponto à modernidade é traçado logo no início da trama, que acompanha a família da garota A Qiu. Ela e o irmão pequeno vivem com os avós no interior, os pais moram na cidade para ganhar a vida.
As profissões de cada um já funcionam como paralelo dessas duas nações contidas em uma só: o avô constrói, de forma quase artesanal, templos e pontes de madeira, enquanto o pai dirige caminhão em canteiros de obras dominados por máquinas; a avó cozinha pratos tradicionais para alimentar os netos e a mãe trabalha em restaurantes itinerantes para operários.
Em certo momento, os pais são obrigados a se mudar para o campo, e é nessa transição que o enredo se concentra. Apesar de ser ficção, a obra se aproxima do documentário em diversos aspectos. O mais óbvio está na escolha em relatar o complexo processo do plantio de arroz e as demais atividades campesinas de perto.
Nesse sentido, as tomadas panorâmicas mostrando a vastidão hipnótica dos vales do sul da China se aproximam (guardadas as devidas proporções) do trabalho do cineasta alemão Werner Herzog, no intuito de analisar o homem inserido na lenta marcha da natureza que o cerca. O filme também funciona no campo documental, pois conta uma história comum a inúmeros chineses, presos entre a tradição familiar e a falta de perspectivas na metrópole.
Pode até parecer que Xiaoling defende uma visão idílica do campo como local de resistência à insanidade do mundo moderno. De fato, o olhar terno da diretora para a vida rural e para as pessoas que insistem em sobreviver dessa maneira está lá, ao longo de toda a projeção. No entanto, existe uma crítica sutil à expansão econômica chinesa, que deixa à margem essa parte da população.
O final abrupto nos deixa um gosto agridoce: nem tudo é verde nos campos de arroz.
Nota: 7,0/10 (Bom)
*A Menina dos Campos de Arroz venceu o prêmio de melhor filme no Gotham Screen International Film Festival (Nova York) em 2012