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A Mala do Amor e da Vergonha, de Jane Gillooly

16/10/14 às 23:16 Atualizado em 08/10/19 as 20:28
A Mala do Amor e da Vergonha, de Jane Gillooly

As imagens em A Mala do Amor e da Vergonha se tornam apenas coadjuvantes em um filme que tem o áudio como estrutura principal. Adquirida através da empresa de comércio eletrônico eBay, uma mala repleta de fitas gravadas por um casal de amantes da metade dos anos 60 forneceu material para o roteiro lido e transmitido ao público de forma experimental pela diretora Jane Gillooly. Cinco décadas depois, a autenticidade das declarações simples e sensíveis trocadas entre Tom e Jeannie, mediadas pelo gravador, acabam por se tornar o retrato poético de uma época, quase tão acidentalmente quanto o surgimento súbito de uma antiga memória na mente.

Entre fades, desfoques e alguns poucos takes minimalistas, Gillooly mantém o mistério imagético das cartas auditivas, valorizando as características do som chiado como fonte principal de informação e ao mesmo tempo deixando o espectador livre para imaginar uma estética correspondente. A sensação é de se estar ouvindo algo de olhos fechados; da visão que se tem quando revendo um momento passado, em que não há necessariamente cores, formas e nem uma linearidade exata. Uma das poucas imagens claras e em alta definição é a do gravador de som captando áudio – o narrador do filme e talvez o único personagem real.

Tom e Jeannie não são pessoas – são invisíveis, compostos apenas de sons, sensações e sentimentos. A identidade nunca revelada dos locutores é, além de um bom recurso para desviar de problemas com direitos autorais, algo que guia o espectador, junto à não linearidade do filme, a não se prender ao desejo de saber quem são os dois adúlteros e quais são os detalhes de sua relação, dando espaço a uma percepção mais pura e profunda das falas.

Essa ausência de julgamentos também está presente nas próprias fitas. A maioria dos áudios são gravados em momentos em que os amantes estão sozinhos. Nessa solidão, o que dizem não tem possibilidade de ser encarado imediatamente pelo outro, senão somente pelo neutro gravador, e assim são trazidas à tona reflexões que não estariam presentes com a mesma intensidade em um diálogo, transformando as fitas em sinceras confissões sobre culpa, saudade, amor, erotismo e assuntos banais.

A relação de Tom e Jeannie com o gravador parece se tornar tão íntima que em alguns episódios o aparelho deixa de ter função transmissora para na realidade servir apenas de cúmplice, como nas situações em que o casal grava fitas juntos, em viagens ou relações sexuais, no intuito de simplesmente informar ao gravador o que está acontecendo, como se este fosse parte indispensável do relacionamento. Como diz Jeannie, em um dos áudios, apaixonada: “There’s nothing quite like a tape, is there?” (“Não há nada como uma fita, não é?”).

A subjetividade presente nas gravações traz uma autenticidade única ao material de A Mala do Amor e da Vergonha, fazendo dele muito mais do que uma história de amor antiga, mas sim o registro emocional daquela década, de um nicho bem específico: a geração acima da que protagonizava a revolução sexual, mais atrelada aos valores morais burgueses, mas ao mesmo tempo vítima deles. Os dilemas e o afeto do caso entre Tom e Jeannie, particulares e simultaneamente universais, trazem a mensagem histórica de como era, mesmo que só para aquelas duas pessoas, viver e sentir nos anos 60, fazendo das fitas um registro perpétuo de sensações.

Nota: 8,0/10 (Ótimo)

 

Sessões do filme na 38ª Mostra de São Paulo

– 17/10, às 21h, na Cinemateca Brasileira – Sala BNDES

– 18/10, às 16h, no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 3

– 20/10, às 13h, no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 2

– 24/10, às 15h45, no Espaço Itaú Augusta Anexo 4

 

>>> Acompanhe a cobertura do Cine Festivais para a 38ª Mostra de São Paulo

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