Quem assistiu a Dois Dias, Uma Noite, filme mais recente dos diretores belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, pode sentir um déjà vu quando entrar em contato com o búlgaro A Lição, de Kristina Grozeva e Petar Valchanov.
As semelhanças começam pela premissa. Enquanto no primeiro a personagem de Marion Cotillard tinha o período exposto no título para convencer os colegas de trabalho a abrir mão de um bônus para evitar sua demissão, no segundo a ação também tem um tempo definido a princípio: três dias, período que a protagonista Nade, uma professora, recebe dos oficiais de justiça para conseguir o dinheiro que impedirá que sua casa vá a leilão.
As opções estéticas também revelam uma ligação com o realismo social que consagrou os irmãos Dardenne. A câmera, muitas vezes carregada na mão, acompanha de perto as longas caminhadas da protagonista à procura de uma solução para seus problemas. Com uma filha para criar e um marido que mais atrapalha do que cria soluções, Nade se vê sozinha em meio a uma infinidade de dificuldades e burocracias (um banco ganancioso e pouco transparente; um empregador que some; um agiota que não aceita atrasos).
Uma cena que joga com essa espiral de sofrimentos é bem representativa do discurso do filme. Uma funcionária do banco aguarda a protagonista chegar depois do horário de funcionamento do local para acertar o que deve e, assim, evitar a perda da casa. Quando o pagamento é realizado, o sistema do estabelecimento parece ter se encerrado, o que evidencia a impessoalidade predominante mesmo quando alguma espécie de compaixão é demonstrada.
É no contexto do indivíduo contra o sistema que o filme trabalha a curva dramática da sua protagonista. Da cena inicial, em que ela tenta descobrir o autor de um pequeno furto em sala de aula, até a final, na qual finalmente o pequeno infrator é descoberto, a transformação imposta pelas circunstâncias faz Nade mudar diametralmente o seu julgamento moral da situação.
Nesse instante, o filme larga um pouco a sua filiação com o cinema dos Dardenne e faz lembrar o italiano Vittorio De Sica e o seu Ladrões de Bicicleta. Se na cena final desse clássico do cinema a atitude desesperada do protagonista leva o público a perceber que o drama individual faz parte de um contexto coletivo bem mais amplo, no filme búlgaro é Nade quem sente essa lição na pele.
Nota: 7,0/10 (Bom)
*Filme visto no 5º Cinerama.BC – Festival Internacional de Cinema em Balneário Camboriú