facebook instagram twitter search menu youtube envelope share-alt bubble chevron-down chevron-up link close dots right left arrow-down whatsapp back

A Gangue, de Miroslav Slaboshpitsky

28/10/14 às 12:02 Atualizado em 08/10/19 as 20:28
A Gangue, de Miroslav Slaboshpitsky

Não é raro o cinema abordar o submundo dos adolescentes. Sua inocência e perversão são temática comum em todos os gêneros, e o drama A Gangue, do ucraniano Miroslav Slaboshpitsky, também faria parte deste grupo caso fosse um filme falado. O recurso excêntrico do diretor de utilizar um elenco quase inteiro de surdos-mudos, que se comunicam sem qualquer legenda, muda completamente o sentido de sua obra, ultrapassando inclusive os limites de uma mera história sobre deficientes auditivos.

O filme se passa em um internato especializado em alunos que só se comunicam por linguagem de sinais. O local, entretanto, pouco tem de acolhedor: os cômodos degradados pelo descuido acompanhados da estética dessaturada do inverno caracterizam a frieza do lugar e de todo o filme. O novo aluno que chega à escola, de nome nunca revelado, serve de guia pelo desbravamento de uma espécie de sociedade B constituída por alguns alunos, da qual passa a fazer parte após alguns rituais de passagem, como a colaboração em um assalto.

A suposta inocência atribuída geralmente a pessoas com necessidades especiais é um tabu quebrado de forma brutal pelo longa-metragem. Ao invés de obedecer a algum pré-julgamento, os surdos são colocados de modo muito interessante do ponto de vista de sua fragilidade – ou da falta dela. Por um lado, vemos como a comunicação por sinais em nada atrapalha seus objetivos, inclusive se mostrando uma linguagem muito mais expressiva que a oral. Eles têm uma forte capacidade auto-organizativa e levam o sexo e a violência a um patamar obscuro, envolvendo prostituição infantil e estupro, que expõem o mar de devassidão ao qual também não são imunes.

Em meio a essa massa pesada de práticas, alguns episódios inteligentemente colocados demonstram simultaneamente a fragilidade única da qual são vítimas, como na cena em que um dos garotos é esmagado por um caminhão, simplesmente por não ouvi-lo dar ré. Isso para não citar o final aterrador do filme.

Essa mesma eficiência da linguagem de sinais é também útil ao espectador, que apesar de provavelmente não compreender os sinais ucranianos, acompanha a história sem dificuldade, revelando uma universalidade nas ações, sentimentos e códigos. A intensidade dos acontecimentos, entretanto, é muito mais profunda que em outros filmes. Isso se deve à talvez maior conquista de Miroslav: a linguagem de sinais se torna, além de um dialeto diferente, uma linguagem cinematográfica inédita.

A necessidade de constante visualização e continuidade dos sinais pede enquadramentos que abranjam o máximo possível dos personagens, evitando closes ou cortes. O filme inteiro é, então, filmado pelo fotógrafo Valentyn Vasyanovych em vários planos-sequência. O esforço em compreender os sinais, somado a essa decupagem, faz com que o público mantenha os olhos muito mais fixos na tela, tentando resolver o enigma de cada conversa a partir de uma nova orientação do olhar pelo plano. Com a ajuda dos excelentes não atores e da presença somente de sons ambientes, a nova leitura gera uma realismo absurdamente impactante, como se observássemos algo com os próprios olhos, além de obrigar os espectadores a verem com clareza as cenas mais fortes.

É por isso que A Gangue é tão diferente de qualquer outra coisa já vista: as cenas e temas que conhecemos são desconhecidos sob a inovadora ótica proposta pelo filme. Mesmo após tantas cenas violentas já produzidas no cinema, às quais a percepção humana está acostumada, Miroslav consegue desvendar um novo processo que é capaz de voltar a sensibilizar o espectador como se ele estivesse vendo algo pela primeira vez, apresentando personagens e situações familiares, mas, ao mesmo tempo, impossíveis de se relacionar a algo previamente visto. O filme, vencedor do Grande Prêmio da Semana da Crítica no Festival de Cannes, é certamente um dos melhores exibidos pela 38º Mostra Internacional de São Paulo e tem enorme potencial para se tornar um verdadeiro cult.

Nota: 9,5/10,0 (Excelente)

 

Sessões na 38ª Mostra de São Paulo – REPESCAGEM

– 02/11, às 21h10, no CineSesc

 

Leia também:

>>> Crítica negativa sobre A Gangue

 

>>> Acompanhe a cobertura do Cine Festivais para a Mostra de São Paulo

Entre em contato

Assinar

Siga no Cine Festivais