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A Gangue, de Miroslav Slaboshpitsky (II)

31/10/14 às 09:03 Atualizado em 08/10/19 as 20:28
A Gangue, de Miroslav Slaboshpitsky (II)

A esta altura o cinéfilo mais bem informado já deve ter ouvido falar de A Gangue, filme do ucraniano Miroslav Slaboshpitsky que venceu a Semana da Crítica em Cannes e vem provocando frisson por onde passa. A grande novidade do trabalho diz respeito ao fato de ter sido todo interpretado em linguagem de sinais, sem legendas ou narrações de apoio. Esse aspecto, somado ao “atrativo” da ultraviolência, gerou um hype que não se justifica quando a qualidade da obra é analisada.

O filme se insere em um universo já muito consolidado no cinema, focando um período de transição na vida de um adolescente que chega a um novo ambiente e precisa enfrentar obstáculos para se estabelecer ali. Por isso mesmo, a tentativa de diferenciação se dá pelo modo como a história será contada, que está ligado intimamente à escolha por utilizar apenas personagens surdos-mudos.

Sabendo da necessidade de visualização dos sinais visuais pelo espectador, que mesmo não conhecendo o real significado deles poderá deduzir o que está sendo dito de acordo com a continuidade da cena, o diretor ucraniano utiliza enquadramentos abertos, câmera na mão e prioriza planos-sequência. É uma escolha estética que, por um lado, tira o espectador de uma zona de conforto e o coloca em um movimento parecido com o do protagonista ao tentar desvendar o universo violento em que ele aos poucos vai se inserindo. Em contrapartida, a opção gera um distanciamento perigoso em relação aos personagens: os colegas são tratados de maneira quase homogênea, sem espaço para a individualidade, e mesmo os conflitos internos do protagonista são pouco explorados.

Isso cria uma dicotomia que o filme não consegue sustentar. Ao apostar todas as suas fichas na forma, A Gangue é vítima do esgotamento natural de sua novidade ao longo da projeção. Quando o espectador se adequa ao jogo proposto pelo filme, a riqueza expressiva da linguagem de sinais demonstra que o grau de risco da escolha não era lá tão alto. Risco, aliás, é o que filme evita ao criar uma narrativa repetitiva que martela o tempo todo a sua tese de brutalidade daquele universo, sem, no entanto, permitir ao espectador algum respiro para reflexão.

Slaboshpitsky escolhe por estilizar cenas como a do sexo ocorrido em uma sala com parede azul e não se inibe nas cenas de violência, sempre pensadas para chocar. Não se pode negar que essa é uma limitação planejada, apesar de podermos dizer que a ausência de conflitos narrativos e de nuances dos personagens gera distanciamento no espectador e diminui a potência cinematográfica almejada.

Há um ponto, porém, em que as duas linhas que guiam o filme (a brutalidade amparada pela estética e a impessoalidade dos personagens) se chocam de maneira catastrófica. Surgindo sempre como personagem plana, um simples objeto sexual, a mulher que se prostitui e é alvo de disputa entre o protagonista e outro membro da gangue decide fazer um aborto. O diretor, então, fixa a câmera (novamente a uma distância de observador) em uma cena de alguns minutos em que todo o procedimento é mostrado. Diante dos gritos de sofrimento, a negação do indivíduo proposta pelo filme fica impossível de se sustentar, mas esse questionamento não se reflete na tela, já que a forma permanece a mesma e até amplia a sensação de choque de outras cenas, com o adendo de um subtexto punitivo/moralista que só serve para proclamar a dissipação da força que A Gangue ameaçara demonstrar.

Nota: 3,0/10 (Ruim)

 

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>>> Crítica positiva sobre A Gangue

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