Os primeiros momentos de A Família aliam o filme do venezuelano Gustavo Rondón a toda uma linhagem recente do realismo social no cinema latino-americano, de Cidade de Deus a A Jaula de Ouro. A violência ronda a infância dos garotos até mesmo em brincadeiras como a de atirar uma bola contra a parede. Decorre também daí uma ideia tóxica de masculinidade que dita desde o modo como a descoberta da sexualidade se dará entre os jovens até a maneira como se deve reagir a uma provocação.
Fruto desse ambiente, o garoto Pedro, de 12 anos, vive em um condomínio de baixo padrão localizado ao lado de uma favela. Devido à ausência de seu pai Andrés na maior parte do tempo, ele vaga pelas vias tendo a autoafirmação como necessidade constante. Acontece que, após uma briga de rua, esta lógica do “cada um por si” perde o sentido e coloca pai e filho em uma fuga que trará nuances tanto para a relação entre os personagens quanto para um filme que parecia trilhar uma trajetória já muitas vezes conhecida.
Com uma narrativa calcada em elipses e silêncios, a via oferecida ao espectador para adentrar o interior dos personagens é a dos olhares. Quando Pedro mira Andrés deitado, recém-chegado da rua com uma caixa repleta de bebidas, projetamos uma ideia de que o garoto não deseja trilhar caminho semelhante para si no futuro. Mais adiante, quando a situação é reversa e o adulto olha para o menino reproduzindo seu trabalho, entendemos que o patriarca tem preocupação semelhante à do garoto.
Outro olhar, o da mãe, é negado ao espectador no rápido momento em que Pedro coloca em sua mochila uma foto antiga com ela. Através de pequenos instantes, como pelo fato de o pai não saber o modo como o filho come ou de o garoto não se recordar de ter estado em uma piscina anteriormente, sugere-se o tamanho do rompimento que aquele tecido familiar sofreu. Pedro e Andrés são perfeitos desconhecidos um para o outro, e nesse sentido o espectador do filme se situa em uma posição parecida à do primeiro quando passa a entender os meios de sobrevivência do segundo – e as semelhanças entre o temperamento dos dois se explicita, a exemplo da cena em que a dupla é expulsa de um ônibus.
A cumplicidade e a identificação familiar se tornam neste caso menos uma escolha do que uma obrigação para os personagens. A eles é negado um espaço de convivência urbano (seja na comunidade pobre ou como subordinados em bairros ricos), como já prenunciava a cena em que, após enfileirar munições no alto de um prédio, Pedro aparecia como único ponto nítido na imagem, com a cidade desfocada ao fundo.
A fuga, neste caso, só poderia ser interrompida em um interior que não carrega em si nenhum tipo de idilismo ou redenção, algo que a ideia de reconstrução poderia sugerir. Por isso mesmo, não há catarse possível na indecisão do olhar de Pedro (e da câmera que o rodeia) no plano final.
*Filme visto no 6º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba