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A Bruxa, de Robert Eggers

01/11/15 às 14:18 Atualizado em 08/10/19 as 20:26
A Bruxa, de Robert Eggers

A constituição do Terror e do Horror enquanto gêneros cinematográficos está ancorada na capacidade do cinema em nos fazer não apenas visualizar o fantástico, a transgressão e o absurdo, mas nos envolver no universo que os torna possíveis. Graças ao papel da atmosfera, muitos cineastas do gênero são formalistas convictos, ciosos do domínio de diversos elementos da cinematografia e da relação entre eles.

Robert Eggers é desenhista, ilustrador e fotografou exuberantes editoriais de moda. Sua primeira incursão cinematográfica foi um João e Maria (2007) macabro, à moda do expressionismo alemão. O curta The Tell-Tale Heart (2008), a obra seguinte, adapta um conto de Edgar Allan Poe por meio do uso de live-action e marionetes. Brothers (2014) leva a história de Caim e Abel para o nordeste americano do século XVII.

A Bruxa, por ser um longa com pompa, prêmios e aceitação da crítica, é um passo maior, mas dentro da mesma trilha. O enredo tem traços clássicos: em 1630, na região de New England (EUA), uma família de imigrantes ingleses se muda para um território ermo, à beira de uma floresta intimidadora. É um retrato que olha para o folclore puritano de vestes coloniais, mas o roteiro de Eggers aborda os fenômenos em uma estrutura narrativa cara aos contistas dos séculos XVIII e XIX, em especial os Irmãos Grimm, na Alemanha, e Charles Perrault, na França.

Filiado a essa tradição romântica, A Bruxa empresta dos contos fantásticos várias figuras do imaginário coletivo (a capa vermelha, a maçã, o “beijo da morte”, o diabo encarnado em um animal) e dados da realidade campesina na época (a fome, a alta taxa de natalidade, a incerta localização em meio a floresta, os desaparecimentos de pessoas, os sumiços de objetos), endossados por documentos históricos reais aos quais o diretor teve acesso em sua pesquisa. É a união dessas duas dimensões (imaginação e realidade), contudo, que produz o terror mais genuíno. Nesse aspecto, a floresta novamente surge como locus da perdição, o lugar aonde não se deve ir porque hospeda tudo o que é de natureza desconhecida e, por isso, amedrontadora.

 

A "Santa Ceia" de Eggers

A “Santa Ceia” de Eggers

Há dois conceitos fotográficos no filme. O ambiente externo – o entorno da casa, a clareira e a floresta – é acinzentado, com curvas tonais puxadas para o azul. Além da conotação triste, é a colorimetria usual quando a intenção é retratar lugares frios, onde não há sol a pino. Já o interior da casa, escuro e de contornos mal definidos, é o espaço para Eggers desfilar todo o seu repertório plástico: percebe-se, nos enquadramentos, da perspectiva renascentista em cenas bíblicas ao contraste dramático de Caravaggio ou até as sombras de Goya. A disposição dos personagens no espaço também se destaca não só pela beleza dos planos, mas por implicar camadas de interpretação sobre as funções que cada um exerce no horror crescente que vai tomando conta da família.

Katherine (Kate Dickie) une religiosidade e pessimismo. Nunca esteve confortável no novo local, é dona dos maus pressentimentos e carrega um ar profético, potencialmente negativo e desestabilizador do ambiente doméstico. A maldição de William (Ralph Ineson), por sua vez, é a da responsabilidade. Sob ameaça de ser excomungado, é ele que banca a ideia de se mudar e lhe cabe prover o sustento da família, pelo qual é pressionado. A culminância de uma situação que envolve isolamento geográfico, fome e o apelo inútil ao divino é a loucura, ideia-chave para o pavor nas sequências finais.

Mercy (Ellie Grainger) e Jonas (Lucas Dawson) são crianças gêmeas, fotografia que já se tornou icônica no repertório do gênero. O cantarolar de cantigas infantis e a ideia de que crianças percebem nuances de realidade que escapam aos adultos serão acessórios do caos. O filho mais velho, Caleb (Harvey Scrimshaw), ilustra a possessão, fenômeno muito abordado pelo cinema e que, aqui, rende pelo menos três ótimas cenas.

 

O barroquismo de Eggers  faz da concepção formal o grande trunfo de A Bruxa

O barroquismo do diretor faz da concepção formal o grande trunfo de A Bruxa

 

É a primogênita Thomasin (Anya Taylor-Joy), porém, que assume a centralidade na articulação entre a ética puritana e o terror propriamente dito. Ela é acusada, primeiro pelos gêmeos e depois por todos, de prestar serviço ao diabo. Estava com o bebê da família no momento em que ele sumiu e tinha adentrado a floresta com Caleb quando este desapareceu para voltar depois, já possuído. Como nos melhores conflitos de tensão psicológica, a dúvida é mais expressiva que a certeza. Thomasin é uma bruxa ou um bode expiatório para o fracasso daquela família, em especial do pai (William)? Ela realmente age de forma estranha ou está em curso a satanização do feminino, que vitima um corpo jovem, bonito e prestes a atingir a maturidade?

Entremeadas por uma gama de acontecimentos macabros, essas questões permeiam a ideia de culpa/pecado, ao redor da qual o terror ganha espaço. O ímpeto acusatório e a as sensações de ódio e injustiça vencem a determinação e a lealdade, não mais dominantes naquele núcleo familiar. O desmoronamento das bases afetivas coincide com o acirramento dos fenômenos sobrenaturais, o que nos faz questionar o que veio primeiro. A bruxa, agora entendida como uma abstração maior do que uma figura específica, é fruto de um espaço naturalmente demoníaco ou aparece quando a condição humana (nossas decisões e reações) lhe é convidativa?

Nota: 7,5/10 (Bom)

 

>>> Acompanhe a cobertura da 39ª Mostra de São Paulo

 

Sessões de A Bruxa na 39ª Mostra de São Paulo

– Dia 01/11 – 22h15 – CINESALA

– Dia 02/11 – 18h – ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – AUGUSTA 1

– Dia 03/11 – 20h – ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – FREI CANECA 2

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