“Um filme de família”. Foi o que pensei quando o primeiro plano de 3 Belezas introduzia os créditos iniciais, estes sobrepostos à imagem de um longo travelling que acompanhava 3 crianças que brincavam com água num jardim, ao redor de uma pequena piscina de plástico, dessas que “toda família tem”. A partir daí, ainda ritmo e trilha me levaram a confirmar essas expectativas até ser completamente arrastado para um espiral de situações grotescas sempre relacionadas à adoração venezuelana aos concursos de beleza.
Viajando pelas competições nas mais diversas escalas (de concursos de talento na escola ao “Miss República”), o filme acompanha a obsessão da mãe solteira, Perla, em projetar nos filhos, Carolina, Estefanía e Salvador, a (sua) cobiçada carreira de miss vencedora. Relapsa e hostil, essa anti-mãe, “ex-rainha da beleza”, manifesta uma parte de um bizarro fanatismo da nação pelos concursos de miss. Além do âmbito familiar, os filhos de Perla são perseguidos por essa obsessão coletiva também nas esferas social e religiosa: um fascínio doentio que contamina parentes, namorados e até os pastores brasileiros “de má-fé”, que abrem essas “igrejas de garagem” sem sequer se dar ao trabalho de falar alguma coisa da língua do país em que estão pregando (#alíviocômico).
No que segue a narrativa, por mais que aparentem ter algum senso crítico, os filhos de Perla vão se desfazer diante da tela, um a um, desvelando uma tragicomédia de humor negro, muito maior do que o próprio desejo dos personagens em resistirem ao vírus da competição. Uma criteriosa composição de quadros, que habilmente viaja pelas camadas complexas de interação entre os personagens, acaba, porém, competindo com a criação de condições para o grotesco desse universo.
O filme de Carlos Caridad-Montero parece então demonstrar uma necessidade muito clara de fugir de um realismo da imagem, escapar da ideia de criar uma ficção ilusória e “relacionável”. Usando recursos que lembram o cinema do canadense David Cronenberg, 3 Belezas é um filme que procura posicionar o espectador em um determinado lugar, mais do que envolvê-lo em sua narrativa.
Sob esta ótica, justificam-se vários recursos desconstrutivos que revelam a necessidade de criar distanciamento, como as cenas bem produzidas e excessivamente violentas ou o olhar direto para a câmera. Mesmo que exista, em um primeiro instante, alguma identificação com personagens que parecem conhecer alguma “verdade condenável” por trás dos concursos de beleza, em outro momento ela desaparece, suprimida junto com outros elementos que indicam ou fazem analogia a uma ficção mais realista.
Uma sátira tão direcionada como a do filme é o tipo de produção que demanda uma pesquisa bem madura no assunto, e é com propriedade que Caridad-Montero revela em entrevista ao SeptimoCine que seu documentário Mas Allá del Valle de la Sillicona serviu como uma grande pré-produção para este filme, no qual explora o mesmo tema. Diz que, na sua ficção, busca a beleza nas misses (qualidade natural e subjetiva, segundo a pesquisadora estadunidense Nancy Etcoff), mais que mostrar uma pré-fabricação estética.
No fim, 3 Belezas consegue relacionar as ideias de culto, obsessão e concursos de beleza. No entanto, saiba o espectador desavisado em busca de uma narrativa guiada por personagens tridimensionais que, além das misses, competem complexa fotografia de interiores que explora tensões mãe-filha/dominador-dominado com abusos gratuitos, tentativas de suicídio e atropelamentos, sempre acompanhados de súbitas mudanças de interesse por parte de personagens-chave. Tudo pela manutenção do universo bizarro do filme e, quem sabe, da “beleza” de suas misses.
Nota: 6,5/10 (Regular)
Sessões na 38ª Mostra de São Paulo
– 24/10, às 14h, no Reserva Cultural
– 29/10, às 15h15, no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 1
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