Fã de futebol, o menino islandês Rúnar Rúnarsson não teve dúvidas ao escolher o primeiro livro que queria ler: a biografia de Pelé. Atualmente um diretor de cinema premiado, Rúnar pôde conhecer o país do Rei do Futebol décadas mais tarde graças a seus filmes. Os dois longas-metragens que ele realizou, Vulcão, de 2011, e o recente Pardais, vencedor do Festival de San Sebastián, são atrações da 39ª Mostra de São Paulo.
O novo filme trata do processo de amadurecimento de um adolescente que se vê obrigado a morar com o pai depois de seis anos sem vê-lo. “Essa transição para a vida adulta me fascina, pois é uma época em que você ainda é uma criança, mas começa aos poucos a ser – ou a fazer o papel de – um adulto, deixando para trás a inocência”, diz o islandês.
Em conversa com o Cine Festivais, Rúnar Rúnarsson falou sobre as discussões estéticas e temáticas trazidas pelos seus filmes e comentou o bom momento da cinematografia islandesa no cenário internacional de festivais.
Cine Festivais: No seu primeiro longa-metragem, Vulcão, o protagonista era um senhor recém-aposentado, enquanto Pardais tem como personagem principal um adolescente. Por que optou por essa mudança de ponto de vista?
Rúnar Rúnarsson: Realizei alguns curtas-metragens antes desses filmes, e metade deles falava sobre pessoas idosas e a outra metade sobre jovens. O primeiro grupo serviu como uma espécie de estudo para Vulcão e os segundo, para Pardais.
Em geral eu me interesso por personagens que estão em um ponto de virada em suas vidas. Na velhice está a última transição, a aproximação da morte; na adolescência você ainda tem a vida toda pela frente. Essa transição para a vida adulta me fascina, pois é uma época em que você ainda é uma criança, mas começa aos poucos a ser – ou a fazer o papel de – um adulto, deixando para trás a inocência.
CF: Nos dois filmes (Vulcão e Pardais) há decisões difíceis a serem tomadas pelos protagonistas. Você acredita que essas escolhas são definidoras de nossas vidas?
RR: Eu busco um senso de realismo para os meus filmes, mas também gosto de ilustrá-lo com poesia, simbolismos. Através do roteiro, você entra na vida de um personagem em certo momento da vida deles, e quando você os deixa eles terão ainda outros desafios para lidar.
Meu principal foco é mostrar a beleza da vida, mas sempre que há luz, há também sombras. É sobre algumas dessas sombras que você está se referindo. Elas estão ali para mostrar a beleza dos protagonistas; nos dois filmes os personagens fazem uma espécie de sacrifício, tomando o destino de outras pessoas para si. Em Pardais há o sacrifício da inocência do protagonista.
CF: No começo do filme é construída uma noção de pureza do personagem. Há a questão da sensibilidade do canto e o uso primordial da cor branca para enfatizar essa ideia, que se torna mais forte quando comparamos o início com as cenas finais…
RR: Sem dúvida. Há também uma outra utilização importante da cor branca no filme, que ocorre na cena em que o protagonista toma essa grande decisão da qual falamos anteriormente. Ele salva a inocência de outra pessoa fazendo um sacrifício, e eu enfatizo isso com o uso do branco.
CF: A paisagem da Islândia também é algo valorizado pela direção no filme, com muitos planos abertos…
RR: Tento integrar a paisagem dentro da história, fazer com que ela diga alguma coisa. Quando mostro o avião cercado por montanhas, por exemplo, e já sabemos anteriormente que o personagem não queria se mudar, há um sentido de pequenez dele diante da imensidão da natureza, das montanhas que não acabam nunca. E ao mesmo tempo há a intenção de introduzir aquele lugar rochoso, a princípio hostil para o personagem.
CF: Você acha que o filme também discute a subjetividade de ser adulto, uma vez que personagens como o do pai se revelam muito imaturos?
RR: Além de ser sobre amadurecimento, o filme também trata de masculinidade, da relação entre pai e filho e de lacunas geracionais. O que é similar entre o protagonista de Vulcão e o pai de Pardais é que eles são frágeis emocionalmente; estão envolvidos com suas emoções, mas não conseguem expressar isso.
Quando vemos Pardais, sabemos que ele quer fazer o seu melhor, ter uma melhor relação com o filho. Ao mesmo tempo em que ele é o cara forte, que pode carregar coisas pesadas, há um lado trágico por ele conhecer seus defeitos e ser inábil para corrigi-los.
CF: A Islândia tem se destacado recentemente em grandes festivais. Fale sobre a produção atual do país.
RR: A Islândia lança por ano nos cinemas cerca de seis filmes. 2015 tem sido um ótimo ano para a cinematografia do país e a mídia internacional começou a citar a existência de uma onda islandesa, graças aos prêmios em festivais: tivemos um filme que participou do Festival de Berlim e foi premiado em Tribeca (Virgin Mountain); um que ganhou a seção Um Certo Olhar em Cannes (A Ovelha Negra); o filme que abriu o Festival de Veneza, Evereste, tem um diretor islandês; e recentemente meu filme (Pardais) ganhou o Festival de San Sebastián.
Estamos nos holofotes, e isso é bom para essa pequena comunidade do cinema islandês, dentro da qual todos nos ajudamos. Se meu filme vai bem, é mais fácil para outro islandês ter seu filme financiado ou coproduzido, então isso garante que os filmes continuem sendo feitos em nosso país.
>>> Acompanhe a cobertura da 39ª Mostra de São Paulo
Sessão de Pardais na 39ª Mostra de São Paulo
– Dia 01/11 – 19h45 – ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – FREI CANECA 1
Sessão de Vulcão na 39ª Mostra de São Paulo
– Dia 01/11 – 13h30 – ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – FREI CANECA 3