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A intimidade do amadurecimento: diretores e atores falam sobre Beira-Mar

07/11/15 às 03:03 Atualizado em 09/11/15 as 19:24
A intimidade do amadurecimento: diretores e atores falam sobre Beira-Mar

É inverno no litoral gaúcho e dois amigos (Martin e Tomaz) resolvem passar uns dias numa casa de praia, onde serão levados a refletir a respeito da amizade e de suas próprias escolhas e vontades. O longa Beira-Mar, dirigido por Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, entrou em cartaz na última quinta (5) e ilustra um tipo de experiência importante na vida de muitos jovens.

Na escrita do roteiro, realizada na própria locação do filme (a praia de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul), Filipe e Marcio trocaram memórias: relembraram medos, desejos e sensações da juventude para compor as trajetórias de Martin e Tomaz. O processo de produção do longa contemplou sete meses de ensaios, com os atores Mateus Almada (Martin) e Maurício Barcellos (Tomaz) convivendo juntos, chegando, inclusive, a dormir nos quartos de cada personagem. A fluência do percurso se fortaleceu com a decisão de filmar as cenas na ordem cronológica dos fatos do roteiro.

Beira-Mar marcou presença em festivais internacionais, como o Festival de Berlim. Por aqui, ganhou o Prêmio Felix, categoria do Festival do Rio destinada a obras que abordam a diversidade de gênero, e ainda ficou com o troféu de melhor filme na seção Novos Rumos. O longa também esteve na 9ª CineBH e na 39ª Mostra SP.

O Cine Festivais conversou com a dupla de diretores e com os dois protagonistas, num papo que envolveu a temática queer, detalhes das filmagens e visões sobre o mundo e sobre o cinema. Confira abaixo os melhores momentos da conversa com os guris.

 

Cine Festivais: O processo de vocês parece muito centrado na figura do ator. Como foi a escolha dos dois protagonistas? 

Filipe: A gente tinha visto alguns curtas do Mateus, gostamos do trabalho dele, conversamos e ele topou. Mostrou uma sensibilidade emocional muito grande, aprendeu o personagem (Martin) rapidamente e estava bem disposto ao processo que iríamos ter.

 

CF: E o Maurício foi chamado pelo Facebook, certo? Como foi essa busca? 

Marcio: Uma amiga sugeriu o perfil do Maurício e, pelas coisas que ele postava, a gente sentiu que ele teria muito a ver com o filme e com o processo. Também era importante que houvesse uma química entre os dois, que olhássemos para eles e acreditássemos que eles eram amigos.

 

CF: Maurício, você topou de primeira?

Maurício: Sim, eles me mandaram o roteiro, eu li na hora e me identifiquei muito com o filme e com o personagem. Eu tinha quase a idade do personagem (19 anos, Tomaz tem 18 no filme). Era um momento da vida semelhante ao que eu estava passando. Eu era meio frustrado porque tinha tentado algumas incursões midiáticas mas era tudo muito ruim, tudo mal feito. Fiquei com um certo receio de não dar certo porque tudo que eu já tinha feito não tinha dado.

 

CF: Parece onipresente no filme um mar que se ouve mas não se vê. De onde veio esse ideia e como ela ajuda a contar a história?

Filipe: É próprio de Porto Alegre você ir ao litoral passar um fim de semana com os amigos. Então é um espaço onde muita gente acaba amadurecendo, passando por experiências importantes. Achamos que o mar tem muito a ver com a vida adulta porque abrange desde a felicidade de estar ali mergulhando até a turbulência de ondas mais pesadas. E é algo que está ali presente: mesmo que você não queira olhar, terá que entrar nele em algum momento. Isso tem muito a ver com a trajetória dos meninos, que estão definindo sua personalidade e caráter.

 

CF: Já se via em alguns curtas de vocês um olhar especialmente debruçado sobre o corpo masculino. No caso de Beira-Mar, como se chegou a esse conceito de câmera que enfatiza o corpo? 

Marcio: Tem muito a ver com o nosso apreço pelo ator, com a ideia de um corpo presente se movimentando pelo espaço, dentro do frame. Quando vemos um filme, isso é algo que nos instiga muito e parece natural que busquemos isso como elemento condutor.

Filipe: O corpo talvez seja um dos elementos mais humanos que você pode ter em cena. É frequente você assistir a um cinema apático e distante do personagem, sem empatia, afastando a humanidade daquele processo. A gente quis fazer o contrário, tentando ver o indivíduo de todas as maneiras possíveis.

 

CF (aos atores): É o primeiro longa em que vocês atuam. Como foi mostrar o corpo e filmar cenas de sexo? 

Maurício: No começo, foi difícil imaginar como ia ser. Como gravamos em ordem cronológica, as cenas de sexo foram as últimas a serem filmadas. A gente já tinha uma relação mais próxima, os personagens já estavam muito bem construídos. Foi difícil por uma questão pessoal, mas na prática já tirou vários bloqueios que eu tinha com o meu próprio corpo. Hoje em dia eu sou mais tranquilo.

Mateus: Como era uma cena muito derradeira, a gente foi seguindo um caminho natural, foi como tirar uma pecinha por vez. No final acabou sendo muito mais tranquilo do que eu pensei que seria.

 

CF: Beira-Mar tem sido destacado como um filme otimista por não abordar o coming out (sair do armário) de maneira trágica ou melodramática. Essa good vibe é mais um desejo de realidade ou uma reprodução de experiências pessoais?

Filipe: A gente queria passar uma mensagem positiva pro público LGBTQ. Isso é essencial, porque estamos numa época bizarra, de retrocessos sociais estranhos, intolerância e coisas que você fica ouvindo e destroem sua autoestima. O universo LGBTQ só tende a ganhar com o máximo de representações possíveis, entre elas uma visão otimista, humana, de que vamos conseguir lidar com as coisas.

Marcio: Claro, sabemos que processos como o que o filme mostra são difíceis, talvez sejam muito dolorosos na maioria das vezes. Mas é também um posicionamento político transmitir ao público LGBTQ a ideia de que, a longo prazo, as coisas melhoram. E não deixa de ser uma maneira de dizer pro amigo que ouve o coming out de alguém próximo que não precisa ser um cuzão quando isso acontecer, dá pra ser alguém bacana. Acho que é um momento em que pode florescer a beleza do humano: quando você abraça alguém que está fragilizado.

 

CF (aos atores): Qual o valor de se ver num filme sobre esse tema? Dá mais orgulho de ter participado de uma obra que também cumpre um papel conscientizador?

Mateus: Sem dúvidas! Gostaria muito de saber que uma das coisas que eu colhi com o filme foi uma conscientização maior. Acho que o filme tem o mérito de mostrar o universo LGBTQ, no qual o coming out é visto de maneira diferente, é mais aceito.

Maurício: Acho que não estamos só fazendo arte, estamos agregando um novo pensamento e eu, pelo menos, não estou muito acostumado a ver isso no Brasil.

 

CF (aos diretores): Vocês são os organizadores do Close – Festival Nacional de Cinema da Diversidade Sexual, realizado no Rio Grande do Sul. Além disso, Beira-Mar tem participado de diversos festivais e programas focados na temática queer. É uma maneira de congregar interessados no assunto ou tudo faz parte de uma crença maior no cinema como instrumento de transformação social?

Filipe: Acho que um pouco das duas coisas. Certamente, o cinema é uma ferramenta de mudança. É indiscutível que ele tem um efeito mágico. Muitas vezes você sai da sessão com uma energia diferente da que entrou, e só isso já revela uma potência. Mas acho que esses festivais têm também uma função ligada à pesquisa, à busca de como a temática LGBTQ está sendo tratada.

Marcio: O movimento queer é um movimento de resistência, e espaços que trabalham obras com essa temática são lugares de discussão, onde podemos debater visões e representações daquilo. Isso é fundamental.

 

CF: Também não incomoda quando a recepção do filme fica muito focada na questão da homessexualidade e ignora outros temas presentes na obra?

Marcio: Essas opiniões revelam muito do interlocutor. Acaba sendo o tema mais marcante para algumas pessoas, pro bem ou pro mal. Na verdade, acho que o tema principal de Beira-Mar é a juventude. Para nós, realizadores, é sempre bacana quando as pessoas conseguem ter uma percepção do todo, e não só de uma parcela do filme. Mas isso vai de cada espectador, cada um tem seu filme na cabeça e não controlamos esse processo.

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