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A Democracia Corinthiana foi um oásis muito peculiar, diz diretor de documentário sobre o movimento

31/05/14 às 05:47 Atualizado em 09/10/19 as 14:45
A Democracia Corinthiana foi um oásis muito peculiar, diz diretor de documentário sobre o movimento

Boa parte dos documentários brasileiros recentes busca um registro memorialista, adepto do recorte de um pedaço da história que tenta lembrar quem somos ou como chegamos até aqui. O cineasta Pedro Asbeg tematiza a questão unindo esporte e política ao realizar Democracia em Preto e Branco, que nos conta como o time do Corinthians do início da década de 80 se tornou um símbolo da luta pela democracia no país, no movimento que ficou conhecido como Democracia Corinthiana.

Após uma odisseia que envolveu interrupção nas gravações, buscas por financiamento e demora no lançamento, o filme, uma parceria conjunta entre a ESPN, TV Zero e Miração Filmes, relaciona a Democracia Corinthiana a duas efervescências da época: uma cultural, o rock brasileiro oitentista, e uma política, a campanha Diretas Já. A narração de Rita Lee e uma coletânea de depoimentos dos personagens da época compõem o documentário, que será exibido neste domingo, 01/06, às 21h, no Espaço Itaú de Cinema – Augusta, em sessão do CINEfoot – Festival de Cinema de Futebol. O diretor Pedro Asbeg conversou com o Cine Festivais sobre o processo de produção do documentário, sobre sua origem, suas dificuldades, escolhas e revelações. Confira abaixo os melhores momentos da entrevista.

Cine Festivais: De onde veio seu interesse pela Democracia Corinthiana?

Pedro Asbeg: Sempre fui muito interessado por futebol e continuo sendo. Eu cresci acompanhando o Corinthians daquela época, assim como os outros times. Então, aqueles caras cabeludos e barbudos estavam na minha memória afetiva, era uma coisa diferente da qual eu tinha me acostumado.  Em 2010, eu li o livro Democracia Corinthiana, do Sócrates e do Ricardo Gozzi, e achei que rendia um filme. Na época, ele era muito diferente do que acabou virando. A Democracia Corinthiana é o fio condutor do documentário, que funciona como um recorte do período, contextualizando o movimento naquela época.  

CF: O filme enfrentou vários percalços para poder ser finalizado e distribuído. Houve algum momento em que você desanimou e pensou que não iria realizá-lo?

PA: Não, houve desânimo e frustração, mas em nenhum momento eu pensei em desistir ou achei que o filme não fosse ficar pronto. Cada filme tem sua peculiaridade, mas acho que o processo foi natural para quem faz documentário no Brasil: comecei sem qualquer tipo de grana ou incentivo, peguei do meu bolso e contando com a amizade de alguns camaradas que iam a São Paulo fazer um outro filme comigo e aceitaram trabalhar uma semana de graça para começarmos o documentário.  No ano seguinte, fizemos um crowdfunding e conseguimos voltar a São Paulo para fazer a segunda rodada de entrevistas. Dois anos depois, conseguimos grana da Klabin e da ESPN. Depois disso, as coisas ficaram mais fáceis.  

CF: Como foi compartilhar as funções de diretor com as tarefas ligadas à produção?

PA: Em algumas horas era muito cansativo, em outras eu tive que abrir mão da parte da produção. Houve várias situações em que o filme estava sendo montado, precisava de uma supervisão minha e outras tarefas estavam me desgastando. Felizmente, eu tinha com quem dividir. Mas é inevitável; a partir do momento em que você se predispõe a fazer um trabalho desse tamanho é normal que você queira que ele fique o melhor possível. Se você tem um contato bom, não irá passar a bola e pedir para outro ligar para o cara, você mesmo liga. É verdade que em alguns momentos isso é cansativo e perigoso para o filme, mas não tem muito jeito não.  

CF: Não é fácil compartilhar memórias, impressões e casos do passado (30 anos atrás). Você adotou algum método específico para entrevistar os personagens e tentar tirar o máximo possível de novas falas para um assunto já bastante abordado pela mídia esportiva?

PA: Eu adoro fazer entrevistas. Par a mim, uma das maiores alegrias do filme todo foi poder encontrar aquelas pessoas históricas, muitos ídolos meus, pessoas que eu admiro desde criança. Faço filmes desde 1997 e já tenho uma certa experiência, então não houve nenhuma preparação prévia, além, é claro, da pesquisa específica sobre o tema e sobre cada entrevistado. Tento deixar a pessoa à vontade, não gosto de levar papel e de ficar lendo enquanto estou perguntando e quero que a pessoa responda olhando pra mim. Muitas vezes as perguntas não são tão específicas no que cabe a datas e detalhes dos acontecimentos, minha intenção é tirar um pouco dessa carga e deixar o entrevistado despreocupado.  

CF: Das entrevistas que fez, qual foi a que mais te surpreendeu e por quê?

PA: O Frejat me surpreendeu muito porque eu não sabia que ele era tão politizado. Eu fui para conversar sobre rock brasileiro, sobre a participação dele no Barão, e ele deu um depoimento incrível, falando muito sobre a juventude durante a ditadura e sobre como foi aquele período de redemocratização. O Edgar (Scandurra) e o Paulo Miklos também são muito politizados. Muitos outros depoimentos foram bons, mas já esperados. O Sócrates, por exemplo, é um gênio, muito articulado. O Casagrande, por ter a vida ligada ao rock, pode falar com muita propriedade sobre o assunto.  

CF: Como foi ser um dos últimos a entrevistar Sócrates?

PA: Em Agosto de 2010, quando o entrevistei, ele ainda não tinha demonstrado publicamente qualquer sinal de saúde frágil. Dois meses depois, ele foi internado pela primeira vez e parece que, a partir daí, foram diversas idas e vindas ao hospital, várias internações. Se eu tivesse feito essa entrevista entre uma internação e outra, a participação dele já teria um peso diferente. Como foi antes, estávamos muito tranquilos. Mas sem dúvida foi uma entrevista muito importante pro filme e para mim. Um papo de duas horas pareceu ter durado dez minutos. Ele estava calmo, o pensamento fluiu bem, a construção de raciocínio estava rápida, ele contou boas lembranças de todo o período e falou com muita emoção do que viveu. Já teria um papel importante dentro filme, mas, com a entrevista inspirada, ganhou ainda mais destaque na edição.  

CF: Houve alguma decepção ou surpresa despertada pelo aprofundamento da pesquisa (um fato que não foi como pensamos, um personagem menos ou mais relevante do que a fama fez crer, etc.)? Qual?

PA: Nossa tendência é ver a Democracia como um momento muito solidamente preso a Sócrates, Casagrande e Wladimir. Mas quando conversei com Zenon, Zé Maria e Juninho, todos demonstraram uma capacidade de raciocínio e percepção que foi muito surpreendente. Você acaba achando que eles só tinham valor dentro de campo, mas não, todos ali sabiam da importância que era um jogador de futebol, naquele momento, se posicionar politicamente. Acho, inclusive, que eles aprenderam durante o processo, adquiriram, por conta do movimento, uma consciência política maior do que tinham.  

CF: Nas falas de diversos entrevistados, ressalta-se que a Democracia Corinthiana foi muito importante para a redemocratização do país. Como medir a força de um fenômeno simbólico? Pra você qual é o real tamanho da influência desse movimento na esfera política do Brasil na década de 80?

PA: Acho que o que aconteceu ali foi um fenômeno muito específico, que não tinha acontecido antes e dificilmente irá voltar a acontecer: o jogador se posicionar de forma explícita, não só mostrando seu pensamento, mas tentando usar a exposição que tem para influenciar outras pessoas. Infelizmente, jogadores de futebol usam pouco a exposição e o poder de convencimento que possuem. Para mim, essa é a principal força da Democracia Corinthiana. Não acho, sinceramente, que ela tenha sido decisiva para aumentar substancialmente o número de pessoas que iam às ruas pelas Diretas. A campanha pela democratização era um anseio nacional que passou a ser incontrolável. Com ou sem a Democracia Corinthiana, aquilo teria acontecido, mas o movimento foi importante para convencer novos adeptos e para ajudar a mostrar que aquilo era um desejo de toda a sociedade, dos jogadores aos torcedores.    

CF: No elenco de entrevistados, desponta um batalhão de corinthianos ilustres. Como você avalia o reconhecimento da importância da Democracia Corinthiana entre os não corinthianos? A rivalidade futebolística atrapalha nessa questão?

PA: Infelizmente, há muitas pessoas cegas pelo clubismo e pela rivalidade. Muitos desprezam a Democracia Corinthiana, nem querem ouvir falar, não querem aprender a respeito, negam sua importância. Dizem que não era uma democracia “porque era o Sócrates que decidia tudo”, mas a questão é que a Democracia extrapolou o Corinthians, ela é muito maior do que as decisões internas sobre horário de treinamento e concentração. Teve uma relevância para o país, independentemente do tamanho que podemos dar para o movimento. Negar isso é uma tremenda burrice. Já no que diz respeito ao filme, acho que qualquer pessoa pode admirar a história desde que tenha o mínimo de capacidade de avaliação. Eu, por exemplo, sou flamenguista e me encantei com a história, achei que era importante que fosse contada. Depois da exibição no É Tudo Verdade, recebi comentários de palmeirenses que adoraram a história, de pessoas que não tinham time e agora estão com vontade de torcer para o Corinthians, entre outros.  

CF: Mesmo após uma experiência forte como a Democracia Corinthiana, o futebol brasileiro e o próprio Corinthians voltaram a mergulhar num dirigismo personalista e escuso em suas relações, alvos de críticas até hoje. Não se perpetuou, no futebol brasileiro, a semente da gestão participativa plantada pela Democracia Corinthiana. Mudou alguma coisa?

PA: Pois é, nada. Não mudou nada. A Democracia Corinthiana foi um oásis sui generis, muito peculiar. O jogador de futebol continua alienado, desprezando seu próprio poder de influenciar positivamente os torcedores, continua sendo dominado de forma paternalista e autoritária pelos dirigentes, que por sua vez continuam nessa batalha por dinheiro e poder.    

CF: Como foi a trajetória do filme em festivais? Ter o nome “Corinthians” no título faz com que as pessoas imediatamente classifiquem o documentário como sendo um filme sobre um time de futebol, mas primeiro ele participou do É Tudo Verdade, depois do In-Edit (para documentários musicais) e só agora está indo para o CINEfoot.

PA: Pois é. O filme é sobre futebol, não tem como negar. Eu adoro futebol, fiz outros filmes sobre o tema, não é algo de que eu me envergonhe. Conversamos muito sobre isso, especulamos se o título poderia ou não trazer uma rejeição imediata. Tudo bem, é a vida, não vou negar aquilo que me interessou e me encantou desde o início. Estou contando uma história que ocorreu dentro de um clube de futebol e qualquer um que tenha interesse descobrirá que não é um filme que vangloria do início ao fim a história do Corinthians. Mas acho que o fato de ter estrelado no É Tudo Verdade foi o grande carimbo que tivemos para mostrar que o documentário “sobre futebol” tinha capacidade para ser exibido dentro da mostra competitiva. E nossa 2ª alegria foi participar do In-Edit. Ser selecionado num festival de filmes sobre música também significa que não é um documentário só sobre futebol

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Crítica do documentário Democracia em Preto e Branco

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