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A angústia está nas ruas e dentro das pessoas, diz diretor de Riocorrente

05/06/14 às 09:00 Atualizado em 05/06/14 as 10:37
A angústia está nas ruas e dentro das pessoas, diz diretor de Riocorrente

Quem assistir a Riocorrente dificilmente deixará de conectar o filme à atmosfera turbulenta que se instalou no país após o já histórico mês de junho de 2013. Tomada por um estado de espírito contestador e atuante, a cidade de São Paulo protagoniza os novos tempos e é personagem central do filme de Paulo Sacramento (O Prisioneiro da Grade de Ferro), que leva à tela um clima ligado à  iminência de que algo irá acontecer em breve, de que a cidade está prestes a explodir. Riocorrente, no entanto, foi filmado antes das manifestações de junho do ano passado. “Acho que o filme não antecipa nada, são coisas contemporâneas. O que estamos vivendo e o filme são resultados de um mesmo sentimento”, explica o diretor.

Em meio ao furacão urbano, somos apresentados ao triângulo amoroso formado por Renata (Simone Iliescu), que vive um romance com Marcelo (Roberto Audio), jornalista cultural, e outro com Carlos (Lee Taylor), ex-ladrão de carros. Todos estão na complicada companhia de uma São Paulo pulsante; fértil, poética e amedrontadora ao mesmo tempo. Perambulando por ela, há a silenciosa e enigmática presença de Exu (Vinicius dos Anjos), um menino de rua acolhido por Carlos.

Cine Festivais conversou com o diretor Paulo Sacramento sobre o processo de criação de Riocorrente e o quanto ele se relaciona com as sensações de quem vive em São Paulo hoje. Confira abaixo os melhores momentos da entrevista.

>>> Leia também a crítica do Cine Festivais para Riocorrente 

 

Cine Festivais: Você filmou Riocorrente antes das manifestações de junho/2013. Mas é difícil imaginar momento mais emblemático para sua estreia. Provavelmente, quem assistir ao filme será tentado a ler a realidade atual, também tensa e inflamada, a partir dele. Como isso muda a recepção do seu filme? Que questões ele adiciona ao atual momento e vice-versa?  

Paulo Sacramento: É uma pergunta difícil. Acho que o filme não antecipa nada, são coisas contemporâneas. O que estamos vivendo e o filme são resultados de um mesmo sentimento. Curiosamente, deu do filme ser lançado num momento em que ele pode ser lido de uma maneira até mais rica do que se fosse lançado num tempo de calmaria, em que eu tivesse que explicar por que a minha angústia interna me levou a fazer um filme desses. Hoje em dia eu não preciso explicar essa angústia porque ela está nas ruas e dentro de muitas pessoas. O filme aponta, dentro de sua raiz, para uma paralisia e para uma tentativa de superar esse momento inerte. Os personagens giram em falso, não conseguem progredir, cometem os mesmos erros, as relações não melhoram. Então, de alguma maneira, Riocorrente coloca na tela um momento da cidade, do país. Mas sempre vi o filme como o instante final de um impasse. Por isso acho ele otimista; há uma saída, ainda que essa saída seja poética e meio apocalíptica para algumas pessoas.

 

CF: Você acha que a situação atual apresenta soluções?

PS: Tudo isso faz parte da saída. O país mudou pra melhor nos últimos anos, o que não significa que não precisa mudar muita coisa ainda, creio que as pessoas estejam identificando isso. Há um sentimento, que é meu também, de que está na hora das coisas acontecerem. E fico muito angustiado quando ouço frases como “tudo já foi tentado”, “não adianta nada disso”, etc. É um discurso muito conservador. Depois de tantos anos de apatia, acho um absurdo, por exemplo, cobrarem pautas específicas para as reivindicações. É uma postura muito pragmática, sendo que o sentimento predominante é difuso, espalhado. Vejo tudo isso como uma história que ainda não sabemos quantos capítulos irá ter. Esse ano será muito intenso nesse sentido. Mas estou muito curioso também, pois considero que estamos no tempo de abrir os olhos, de pensarmos sobre nós mesmos. Isso é a coisa mais rica que se pode querer. Que bom que estamos fazendo perguntas que não fazíamos antes.

 

CF: Riocorrente mostra uma São Paulo marcada por ambivalências, com a poesia e o tormento convivendo lado a lado. Essas características iconizam qualquer grande metrópole ou São Paulo é mais conflituosa e, nesse aspecto, enriquece os dramas do filme?

PS: A São Paulo que aparece no filme é um microcosmo que poderia ser observado em outras metrópoles. Porém, eu fiz questão de não transformar essa cidade num lugar genérico. O tempero local faz o filme ter uma credibilidade. È como diz aquele verso: “Canta a tua aldeia e cantarás o mundo”. Acho que olhando para o São Paulo conseguimos entender o planeta inteiro. Pensando para os personagens, eles se veem diante do desafio de encarar a vida e o mundo imprevisível como é hoje.

 

CF: Entre os personagens principais, Carlos (Lee Taylor) seria o que mais evoca um sentimento de revolta diante da realidade? 

PS: Sim, acho que ele incorpora esse espírito, essa possibilidade de resposta. É um personagem que tem todo o poder da força, da juventude, da inquietude, da insatisfação, mas ainda não sabe como colocar isso em prática, como transformar essa potência em algo produtivo para ele mesmo. Ele tem dificuldades com a amante e com o filho que tem pra criar. São personagens que não conseguem viver o próprio cotidiano.

 

CF: Além de um recurso poético, nomear um dos personagens principais (um menino de rua) de “Exu” é apontar para outros tipos de respostas, agora no campo espiritual?

PS: Acho que existem muitas respostas, talvez estejamos procurando-as sempre nos mesmos lugares, deixando de abrir o leque de possibilidades. Eu não faço, absolutamente, um discurso religioso em cima desse personagem, embora ele venha das religiões afro-brasileiras. O uso do nome “Exu” é mais algo simbólico do que a incorporação de um elemento religioso. Exu é o primeiro orixá, o que faz a ponte para os outros, é onde as coisas começam, nada acontece sem passar por Exu primeiro. Então, ter uma criança de rua com esse nome dá a ela um outro patamar, uma força que a coloca além de um olhar caridoso em cima da pobreza ou carência que a criança possa ter. Quis falar de um menino que está em constante crescimento e que se tornará alguém.

 

CF: Riocorrente participou de vários festivais, como Rotterdam e Brasília. Como você escolhe para quais festivais enviar o filme? O que acha dos festivais de cinema brasileiros?

PS: É sempre uma escolha muito difícil. Quis levar Riocorrente à Brasília por achar um festival da maior importância, que valoriza a ousadia e com o qual guardo uma relação muito forte: fui pra lá muitas vezes, foi onde estreei meu primeiro curta, onde ganhei vários prêmios, etc. Quanto aos festivais brasileiros, em geral, eu sinto falta de uma curadoria a longo prazo, como nos festivais do exterior. Acho muito difícil criar a cara de um festival com júris que mudam 100% de um ano para o outro. No caso das premiações, sabemos que, muitas vezes, ela depende da qualidade do filme e da composição do júri. Acho que a história dos festivais no Brasil e no exterior é uma história de erros e acertos. Conhecemos centenas de filmes que não foram valorizados o quanto deveriam em premiações. Eu mesmo acho que já ganhei prêmios que eu não merecia ter ganhado e perdi prêmios que não merecia perder.

 

CF: Você é um premiado montador, sendo muito procurado por seus colegas para desempenhar essa função. Muitos dizem que os filmes de Kurosawa e Wenders, por exemplo, destinam especial atenção à fotografia em grande parte por serem dirigidos por pintores. O quanto ser um bom montador influencia na direção e concepção de seus filmes?

PS: Acho que é uma associação interessante. Por eu ter esse contato com a montagem, interessam-me nuances desse trabalho que talvez não interessem a outros diretores. Há jogos de atrações, contrastes, coisas que são típicas do pensamento de montador, e que muitas vezes o roteirista também tem.

Por outro lado, quando estou dirigindo eu preciso deixar o montador de lado em um momento. Do contrário, terei um filme dirigido por um montador e montado por um diretor, o que não é bom. No momento da direção, você precisa gerar sobra. Não dá pra você filmar só o que você vai montar. Às vezes, acontecem coisas muito ricas que não estavam previstas, a partir de uma colaboração do ator ou do fotógrafo ou a partir de um imprevisto. Ou seja, é só depois que verei o que tenho em mãos e, aí sim, virarei montador totalmente.

Mas acho que desenvolvi certo gosto por sequências que tenham início, meio e fim, e não estejam necessariamente ligando a sequência anterior à sequência posterior. É uma maneira diferente de trabalhar e que talvez dê uma característica diferente aos meus filmes. Eu vejo semelhanças entre o Prisioneiro da Grade de Ferro e Riocorrente muito por causa disso. Gosto de pegar a sequência 30 e colocar no lugar da 20, o que não é tão comum em filmes de ficção. Então sim, quando dirijo tento deixar janelas abertas pensando no montador depois.

 

CF: O Prisioneiro da Grade de Ferro foi um documentário muito elogiado. O cineasta João Moreira Salles diz odiar sempre que perguntam quando ele irá fazer sua primeira ficção. Para ele, a pergunta é preconceituosa ao subentender o documentário como uma etapa transitória, uma preparação para o “verdadeiro cinema”, que estaria nos longas de ficção. Você voltará a dirigir documentários? Sente-se motivado pelo formato?

PS: Eu gosto de documentário e gosto de ficção. Acho que cada filme tem o seu formato. Quando filmei O Prisioneiro da Grade de Ferro, vi que não era uma ficção, não havia uma raiz que me levasse a querer chamar um ator para encenar uma história daquelas, etc. Acho que as ideias vão surgindo e temos que ter a liberdade de transitar entre formatos. Se eu quiser fazer um curta-metragem, por exemplo, não vejo problema nenhum, não é nenhum demérito. É como um romancista que resolve escrever um conto.

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